sexta-feira, 2 de agosto de 2013

ISADORA! DÁ O PÉ?



       
                       ISADORA! DÁ O PÉ?
          Ele chegou com um pequeno filhote de papagaio se equilibrando no guidão da bicicleta.
          - Você trouxe um colega pra ajudar? Disse-lhe rindo.
          - Ele adora passear de bicicleta.
          - Estou vendo. É muito comportado.
          Não sabia que você tinha um papagaio.
          - E não tinha não senhora. Fiquei com pena do bichinho. Onde eu moro tem um rio brabo, perigoso mesmo. Esse rio tem uma ilha que tem nidação de papagaios. A senhora acredita que a gurizada se arrisca mergulhando pra ir lá pegar os bichinhos pelados ainda, pra vender?
         - Que triste.
         - Pois é. Vendem por uma miséria pra comprar porcaria. Agora vê. Meu vizinho comprou esse bichinho. Ele trabalha o dia inteiro. O bichinho ficava preso debaixo da cama dele. Quando ele chegava botava comida, brincava um pouquinho com ele, enfiava o bichinho de volta no caixote debaixo da cama e ia dormir. Quando ele me contou essa estória morri de pena. Semana passada, quando recebi salário, fui até ele e falei se não vendia pra mim. Ele me perguntou por que eu não comprava outro. Eu disse que tinha pena do papagaiozinho que nem via a luz do sol. Ele disse que não estava à venda. Pedi desculpa:
      - Olha companheiro não me leve a mal. Pensei que você venderia porque lhe falta tempo pra cuidar..
      - Eu sei, mas é uma companhia. Gosto dele.
      - Dois dias depois acordei com ele batendo na porta. Estava com pressa.   Tinha que viajar.
     - Quanto você me dá pelo bicho? Fizemos negócio.
     - Como ele se chama?
     - Não tem nome, não.
     - Você vai trazer ele todo dia?
     - A senhora fica aborrecida?
     - Não. Não é isso. Acho perigoso você vir de bicicleta com ela. Com ele. Você pode se acidentar com ela solta. Com ele. É ele, não é?
    - Acho que é.
    - Hum! Não tenho nada contra, só que é contra lei. O IBAMA pode prender você. Isso é crime.
    - Crime é a garotada tirar os bichinhos dos ninhos.
    - Também acho, mas é que...
   Sem me deixar concluir o jovem jardineiro irritado com a minha precaução, para ele injusta e fora da realidade, disparou:
   - A senhora acha que ela tava melhor no caixote?
   - Espera lá Marcos. Não estou recriminando você. Estou alertando. Você sabe que eu amo bicho. Põe ela aí numa árvore e cuida pra não sumir.
   - Por que a senhora fala ela?
   - Falei é? Sei lá!
   Desta maneira passei a conviver com o papagaio que adorava passear de bicicleta.
   Um dia Marcos chegou esbaforido:
   - Vou lhe pedir um favor. Fica com meu papagaio por uns dias?
   - Fica como? O que aconteceu?
   - A senhora me dá uns dias? Minha mulher foi embora com minha filhinha. Parece que foi pra cidade em que mora sua família.
   - Vocês brigaram?
   - Não senhora.
   Ele estava triste. Além de excelente profissional era um bom caráter e apaixonado pela mulher e pela filhinha de dois anos.
   - Tudo bem. O papagaio fica e quando você acha que retorna?
   - Vou lá saber por que ela saiu assim. Acho que bateu saudade.
  Eu desconfiei dela, porém cofiava na honestidade dele e tive pena.
Bem, com o tempo fomos observando o comportamento de Isadora que era muito semelhante ao humano. De início ficou triste. Tinha saudades. Não raro a encontrávamos escalando a bicicleta de meu filho. Aos poucos foi se adaptando ao movimento da casa e às pessoas da família.  Começou a cantar as músicas que lhe ensinávamos, ria quando errava e assobiava com certa competência.
    Meses depois Marcos apareceu. Quando o vi fiquei feliz, mas o coração apertou.
   - Tudo bem, Marcos? E aí. Resolveu tudo?
   - É. Tá resolvido. Ela ficou lá. Vim me despedir de todos porque volto pra casa de meus pais.
   - Já viu Isadora? Tentei aliviar a tensão. O rapaz estava visivelmente abatido.
   - Cadê ela?
   - Ali na arara, perto da janela!
   - Isadora? A senhora cismou que é “mulher”.
Rimos e ele depois de certo tempo, vendo o meu encantamento e o quanto a ave estava adaptada disse:
   - Olha, sabe de uma coisa, fica com ela pra senhora. Ela vai estar melhor do que comigo e vai ser complicado viajar com ela.
   - Eu compro de você.
   - Tudo bem porque vou precisar, mas se ela estivesse triste eu dava um jeito de levar.
   Assim, perdi o jardineiro, porém ganhei a alegria de uma amiga alada de intrigante sensibilidade e surpreendente inteligência. Isadora não cumpre o padrão que eu conhecia de repetir palavras, não. Ela parece se preocupar em nos mostrar sua singular personalidade.
  Cumprimenta com um bom dia pela manhã e logo pede o seu de jejum que é miolo de pão molhado no café com leite açucarado e um pedaço de queijo que exige.
   Quando o telefone toca, ela diz com voz sensual:
  - Alô.
  E ao perceber que a conversa vai ser concluída ela despede:
  - Então, tchau!
 Se afago sua cabeça, ela geme:
  - Hummmmm.
  Canta as notas musicais, porém tem especial predileção pelo fá.
  Quando quer irritar desafina o dó pra chamar atenção.
 Intromete-se na conversa com rara propriedade:
  - Eu, hein! Pois sim.
   Além de rir, um riso que ora é irônico, ora cordial ela é capaz de nos informar se perigosos gaviões surgem como ameaça.
   Isadora adora sambão. Uh!uh! Ela grita girando ao som de uma boa bateria.
   Um dia ela voou. Voou direto pra uma árvore próxima num voo reto. Levou um susto. Riu tanto que caiu do galho. Perdeu as forças. Ficamos abismados. Foi sua primeira e parece que também última aventura. De fato Isadora gosta mesmo é de gente. Não suporta solidão.Não importa dividir sua comida com outros pássaros e não sofre a tentação de acompanhá-los.
    Não estranhem o que vou dizer:
    Não sei se é justo com esse pássaro que prefere a companhia dos humanos, pois, acredita que somos generosos, companheiros fiéis, amigos alegres e parceiros incondicionais.
   Para Isadora os seres humanos são criaturas confiáveis e amorosas. Quando a vejo me observando com suas pupilas abrindo e fechando como uma lente de avançada tecnologia, sei que aquele olhar penetra minh’alma e ratifica em mim o compromisso com minha humanidade.

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