ADAMAR
Teríamos que aguardar cerca de quarenta
minutos pelo embarque.
Diante desta
informação nos acomodamos frente à pista de pouso, ainda no interior do
aeroporto.
Nuvens espessas toldavam o céu
prenunciando uma viagem sob o risco de temporal.
Sentada, observava os passageiros. Alguns,
nitidamente ansiosos, outros mergulhados na leitura. Havia ainda, aqueles que
não conseguem viver sem a comunicação de um celular.
O movimento do constante "vai e vem" dava a
sensação de integrar um ativo formigueiro.
Malas eram carregadas por alguns com
evidente sacrifício. Enquanto outros, as traziam como brinquedos a patinar
,leves e sem alguma intenção, giravam e desviavam,
ora acelerando, ora freando cumprindo um
destino de indecisos rumos. Foi quando eu a vi:
- jovem, de
aparência simples, sem grandes atrativos – olhos, boca, corpo tudo bastante
comum. Nada de especial relevância.
Ela se aproximou do balcão e trêmula
perguntou ao funcionário da empresa aérea pelo “seu voo”. Sem olhar, o jovem
lhe respondeu que ia demorar ainda e bastante:
- Pode
sentar ali e aguardar, Ainda vai demorar!
Ela repetiu a pergunta e ele impaciente,
repetiu a frase, agora, olhando - a com certa irritação.
Súbito, sua atenção se voltou para mim. Vi
que estava nervosa. Suas mãos tremiam
com célere frequência.
Nada lhe disse, porém a olhei com evidente
simpatia, penalizada com sua aflição.
Segurando o celular com as mãos crispadas começou
a fazer ligações.
- Minha família está nervosa porque estou
viajando sozinha. Vou noivar!(Quase gritara).
Sorri. Um sorriso complacente.
- Parabéns!(Ela pareceu não ouvir).
Novamente, acionou o celular. A ligação não se
completara!
Diante de mim, de pé, aflita insistiu.
- Agora parece que deu certo:
- Agora parece que deu certo:
- Já estou no
aeropoooorto! Podem ficar tranquilos!(Ela gritava) Daqui a um pouco mais, o avião
vai sair!
Desligou, sem ouvir resposta.
Sorria, um sorriso tenso. Seus olhos brilhavam com as lágrimas que teimavam transbordar!
Sorria, um sorriso tenso. Seus olhos brilhavam com as lágrimas que teimavam transbordar!
- Eles estão
me perguntando se eu trouxe os remédios.
Apontando
para uma valise, que parecia carregada,
foi me informando:
- Está cheia
de remédios! Sem eles, minha família não me deixaria viajar!
E sem intervalo, no mesmo tom público declarou:
E sem intervalo, no mesmo tom público declarou:
- Fui
abusada pelo meu avô, dos oito aos quatorze anos! Minha família tem raiva de
mim!
Surpresa, mas sem deixar esta leitura tomar
minha expressão, mantive os mesmos gestos e atenção!
- Tenho dezenove anos e vou casar! Meu noivo
me adora! Faz tudo pra me agradar. Ele está preocupado comigo. Ele fica me
perguntando se estou bem, se comi, se estou calma... Bom, né? Ter alguém que se
preocupa com a gente... Ah!... Ele me ama mesmo!
E sorria, um sorriso sem alvo e sem verdade.
Ria para si mesma e falava. Falava alto. Sem reservas! Às vezes, me olhava como
se estivéssemos conversando. Mas, não estávamos!
- Meu noivo tem cinquenta anos e eu dezenove.
(Não parecia tão jovem.)
(Não parecia tão jovem.)
E mostrando-me as mãos:
- Olha! Eu
estou tremendo!
- Não há razão. A viagem será perfeita. Fique calma. Está tudo bem. (Procurei acalmá-la)
- Não há razão. A viagem será perfeita. Fique calma. Está tudo bem. (Procurei acalmá-la)
Ela fez uma ligação que não se efetivou. Aí,
tornou ao balcão e, antes que executasse a abordagem da indagação, o funcionário lhe apontou
uma cadeira:
- Eu lhe disse
pra sentar que o voo vai demorar!
Sem obedecer à ordem, ela disparou uma
saraivada de frases, absurdamente fora
do contexto:
- Minha
família tem raiva de mim! (Agora ela tremia inteira).
- Fique
tranquila... Nosso avião já chega.(Insisti)
- Meu
vestido de noiva é lindo! Já experimentei... Ficou lindo!
As pessoas falam porque tenho dezenove anos e
ele cinquenta!Ele me adora!
- Eu fui
garota de programa!
- Eu tenho
dezenove anos. O pessoal fala que ele é velho pra mim!
- Mesmo quando virei crente... Eu louvava e fazia programa...
- As psicólogas mandam eu tomar esses remédios
pra eu viajar.
E apontava pra valise...
E apontava pra valise...
- Tá vendo
lá... Aquela mala? Está cheia de remédios!
E de volta
ao celular, que não lhe atendia as intenções, dizia que a família pedia que não deixasse de tomar os remédios.
- Acalme-se
está tudo bem.
Ouvi que
minha preocupação se externava. Afinal, ela era passageira no mesmo avião.
- Qual seu nome?
- Adamar!(Foi a primeira vez que ouvi esse nome).
Eu a olhava
com visível piedade. Não sabia localizar a mentira, mas tinha a certeza de que
a tragédia – o estupro cometido pelo avô – era sua única, triste, dolorosa e
desgraçada verdade!
Zelia da
Costa/NM/MT/29/10/2018/
19:42
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