quinta-feira, 31 de julho de 2014

DESENLACE



          

            DESENLACE

Pareceu hora marcada...
Nada mais restava da esperança havida!
Olhos opacos contaminavam toda paisagem
com uma tristeza profunda e inigualável;
em tudo inscrito  o adeus da partida
As cores que coloriam a cena
foram esmaecendo como se perdessem tinta...
Embora parecesse lento, foi rápido o momento
Nada - de tudo que invento...
Descreverá o evento!
Estancará a sangria.

Zelia da Costa/RO

quarta-feira, 30 de julho de 2014

CREPÚSCULO








      CREPÚSCULO

Povoam minhas lembranças :
a música das gargalhadas,
os sorrisos sussurrados entre olhares moleques...
Povoam minhas memórias,
retalhos de velhas histórias,
(contadas e recontadas entre amigos queridos).
Bailam entrecortados gestos
que vagueiam entre protestos e aplausos,
num ritual complexo
Perco-me, tateando o meu olfato,
farejando longínquos fatos,
na ânsia de revivê-los ...
Será que é isto a velhice?
Ou será que o que procuro
é ludibriar o obscuro que ainda está por vir?
Tentando reeditar um antigo futuro:
- Passado seguro...
Que eu nunca previ ! 
         Zelia da Costa/RO 
  zeliadacostamt@gmail.com               

DUELO



             
                        DUELO

E quando os olhos se fixaram...
Não havia perdão!
A dor estampada expunha a cruel ferida
 que o tempo de uma vida, cicatrizar não podia
E os outros olhos fitados, também perdão não pediam
Eram vagos, sinistros, opacos...
 Signos da vida vazia
Assim, nesta cena estranha: sem palco e sem plateia
Dois ódios digladiavam, sem texto, na mesma tragédia
Se para um, tudo perdido
Outro, nada tinha a perder
Eram os dois - vultos vencidos
Duas sombras a morrer.
Zelia da Costa/NM/MT

segunda-feira, 28 de julho de 2014

BOM APETITE!!!




Kevin Carter/1993


         BOM APETITE!!!


         Ali estava.
         Diante de meus olhos... a fome! 
         Em sua tradução máxima, ela se exibia de três modos, impressos pela magia das lentes de uma câmera:
- na sua forma mais ostensiva e degradante, uma visão      dolorosamente  trágica.
- na sua expressão natural de garantia da sobrevivência
- no desejo compulsivo do artista de registrar a cena, consagrando sua trajetória profissional pelo oportunismo, sensibilidade  e pela imagem espetacular que determinaria o custo  da sua sanidade emocional.
     A fome é de todos os nossos instintos o mais perverso ou amoral. E ali, naquela foto, ela se revela com a sua naturalidade inclemente.
    A criança, sob um sol impiedoso, idade indefinida, nua, sentada sobre o chão duro, árido, tem no rosto transmudado, a dolorosa cara do abandono, da solidão, do infortúnio. No corpo mutilado pela fome e esculpido pela miséria, a degradação de um cadáver.
   Os olhos sem luz, secos.
   O horror, por medonho, não exibe gestos.
          Um pouco afastado, paciente, aguardando a refeição que ali estava posta, a ave de rapina - um urubu!
      O urubu também tinha fome, mas sabia que estava diante da refeição e esperava. Seria por piedade, por respeito ao filhote humano ali exposto... ou pela certeza de que logo teria sua fome saciada,  o que o mantinha a certa distância?
       Era para ser uma cena comum, corriqueira. Deve acontecer aos milhares em terras d’África! Esta África rica, exuberante em sua fauna, em sua flora, em sua riqueza mineral, mas que é assediada e vilipendiada por tempos imemoriais, graças à ganância e à ambição ao poder.
      Desta vez, porém, a sensibilidade de um fotógrafo, a sua fome pelo registro, a sua fome pela verdade, pela vontade incontida de responsabilizar a nossa alienação, eternizou a cena dolorosa que agride nossos sentidos.
      A fome! A fome está ali, lá, aqui!
      A fome degenera, exalta, deprime! Ela pode ser mórbida como a de um bandido ou insaciável como a do fotógrafo!
     Você! Você tem fome de quê?
     A propósito... você já comeu hoje?

quinta-feira, 24 de julho de 2014

CONTROLE DE QUALIDADE



     
       CONTROLE DE QUALIDADE

Queria ser diferente!

Quem sabe?

Mais generosa...

Pródiga em sabedoria...

Sensível, inteligente...

De um humor contagiante!

Espargindo harmonia...

Delicada, exuberante...

Simples e confiante!

Intelectual. Sensata...

Parcimoniosa, atraente, criativa, permissiva...

(de sensualidade lasciva, numa aparência de santa)

Queria ser diferente!

De massa mais consistente!

Ser de verdade expressiva(sem gestos exagerados)

Ter um olhar aguçado!

Espírito iluminado!

E na voz, a suavidade que encanta!

Eu seria, com certeza, uma figura singela...

Se Deus não tivesse usado...

                   apenas uma costela!!!

Zelia da Costa/SP

terça-feira, 22 de julho de 2014

SÚPLICA



                   
                 SÚPLICA

Espera...
Não se vá pelas tortuosas sendas da esperança
Fica um pouco mais
Queira a lembrança que vive a murmurar canções
Torna a ela

Espera sem receios, tão já, retornam seus anseios
O futuro exacerba e agride os sentidos
Agora, usufrua das recordações
Ouça o cascatear das águas a resvalar entre pedras verdes

Ah! As risadas molecas...
Lembra das passagens secretas por íngremes vãos,
da lama viscosa nos pés descalços, 
arranhões nas pernas,
paus em pedaços, picadas de insetos, ferrões...
Um cheiro de mato a devassar pulmões

Chega desta caserna, deste arcabouço 
em que se fez perdida
Queira as cores, a liberdade dos pássaros, 
a transparência das águas,
a suavidade das flores e a neutralidade do poente
  apagando a lida

Queira de volta antigos sons e a chuva cálida 
a embriagar os sentidos
A esperança e o futuro geram ansiedade
Queira, por momento, a calma da saudade

Espera...

Zelia da Costa/RO