sexta-feira, 16 de novembro de 2018


                    
                  VIAGEM AO FUTURO DO PRETÉRITO

    Há muito desejava ir à Escola Joaquim Távora.
    Frequentei este ambiente, até cerca dez anos de idade. Vivi neste tempo a turbulência de um problemático período da doença fatal que vitimou minha mãe. Tenho absoluta certeza que, não fora aluna deste “Grupo Escolar”, como eram denominadas na época as escolas públicas, trágicas memórias teriam tomado todo o espaço da minha infância.                           Assim, sou grata pelo carinho e atenção, de todos os antigos funcionários desta escola por integrarem, de forma dinâmica e expressiva e acolhedora, o envolvimento saudável nas atividades curriculares, sociais e cívicas. Tenho setenta e oito anos e quero ser a voz de todos os privilegiados alunos daquela época.
    A  imagem antiga ficou marcada pelo perfume e altivez das antigas árvores remanescentes da floresta sagrada de Ararigbóia, o valente Cacique da Tribo  Temiminó que habitava aquela região.
    A Escola Joaquim Távora ocupava o Campo de S. Bento, um ideal sacramentado na concretização de uma ideia. Um sonho de inspiração avançada que se materializou naquele espaço entre árvores seculares, riachos, pontes, gramados , jardins, flores, pássaros e o perfume da outrora  mata venerada.
   Por aquele terreno se distribuíam os prédios, obedientes à arquitetura acolhedora de uma escola projetada, visando os benefícios de uma dinâmica de Educação, que deveria contaminar este Presente. Hoje, um triste Futuro Pretérito...
  Há muito queria tornar aquele lugar! Queria ver de fato, o rumo que foi dado pelas sendas do tempo, esse enorme espaço entre o ontem e o hoje!
  Não fui visitar o Passado...
  Fui na busca de um Presente arquitetado na distância dos sonhos!...
  Lá atrás, o espaço dominado pela Joaquim Távora era livre de qualquer limite físico, tais como:
 - cercas, muros, grades, alarmes –
   Não me espantou a presença destes signos, registro da época de hoje, quando a insegurança domina toda a população.
   Curiosíssima, eu estava para ver como havia evoluído a expansão de um destino?
   Posso quase afirmar que seus idealizadores experimentaram o sistema hoje chamado “Campus” que funciona em algumas universidades.
  O Refeitório era um longo prédio, em forma de “ T “ que abrigava a enorme cozinha quadrada limitada pelo salão de refeições onde imperava d. Elza e suas habilidades culinárias. Depois da refeição, ouvíamos em repouso, histórias contadas por professoras que rolavam um cilindro com as ilustrações pertinentes. Muitos cochilavam, tamanho era o silêncio encantado!
   Um outro ambiente era a Sala de Artesanato com sua varanda em arcos e que ficava quase isolada, não fora a vizinhança da linda torre vazada e decorada que sustinha a caixa dágua. A razão do imposto isolamento, se devia ao ruído provocado pelas aulas de trabalhos manuais em metal e madeira. O bordado e a pintura também eram materiais produzidos pelos alunos e tudo artisticamente apresentado na Exposição de Arte, no final do ano.
   O Gabinete da Diretora ocupava um espaço quadrilátero. Imponente, como o cume de pirâmide, era todo exposto em madeira vazada e vidro “bico de jaca” cortado em pequenos retângulos que preenchiam suas largas portas, abertas para a intimidade de uma relação incomum e devassada. Embora todos tivessem livre acesso, havia uma espécie de pacto, culto ao respeito local. Ele encimava alguns degraus de escada, limitados por cantoneiras floridas que iam até o chão. Era como um jardim suspenso inserido num “canteiro”. Suas dependências abrigavam a Secretaria e um Mini Museu onde eram expostos, nas vitrines fechadas, animais embalsamados. Havia uma parte destinada à Biblioteca, frequentada pelos alunos que retiravam livros, ora lidos em casa, ora lidos sobre a grama dos jardins da escola.
   A recreação acontecia  no espaço livre do Campo de S. Bento. Era permitido levar bicicleta e até patinete!
   A Diretora D. Alzira Bittencourt era uma figura exponencial! Educada e carinhosa impunha sua autoridade pela presença elegante e dominadora. Doces : olhares, sorriso e voz... Sabia conquistar pais e alunos!
  Espaços livres, limitados por arbustos, funcionavam como salas de aula. Não raras vezes, pássaros faziam surpresas “ sujando” nos cadernos, oportunizando petelecos que geravam “guerra de coco de passarinho” que nunca terminavam bem!!!
   Havia um grande pavilhão fechado. Nele, o espaço para Educação Física nas quadras de volley e basquete limitadas por lances de arquibancadas, com degraus em cimento vermelho e base coberta de tacos de madeira envernizados onde sentávamos como plateia. Frente a essa arquibancada, margeando este vão, um grande palco. Ali eram exibidas as festas cerimoniais cívicas e peças encenadas e escritas também por nós. Os banheiros eram elegantemente ocultos, embutidos nos vãos laterais.
 Sob as arquibancadas se localizavam de um lado o Gabinete Médico e do outro o Dentário. E funcionavam!
  Havia dois clubes:  o Brasileiro e o Pan Americano.
Eu era do Pan Americano porque o uniforme era todo branco e eu o achava lindo! O Brasileiro vestia uniforme comum: azul e branco.
      Aos clubes cabia a organização das festividades que eram submetidas à discussão e sugestões de todos: alunos, professores e da D. Alzira. Juntos, integrávamos propostas e ideias de composições musicais, dramatizações e textos.
Havia num outro espaço contíguo, um belo Coreto decorado com arte em ferro localizado à esquerda, no Campo de São Bento onde se costumavam exibir, nos fins de semana, Bandas de Música de cidades do interior para o público em geral.
 De quando em vez, havia projeções de filmes infantis para nós. Um sucesso!       Lembre-se que a Televisão não existia!
     Ah! O Canto Orfeônico! Que saudade!
     Cantávamos, diariamente, o Hino Nacional antes de "ingressar" nas aulas! Aliás, cantar os Hinos chamados Patrióticos era um dever cívico que cumpríamos orgulhosos! Assim, os Hinos que louvavam à Bandeira, Independência e República nos irmanavam. Éramos geração pós-guerra!
 Fui alfabetizada por minha mãe. Cheguei à escola  lendo “com desembaraço” e gostando de ler  para espanto geral, o que me enchia “de prosa”!  
    Minha professora pedia para eu ajudar crianças com dificuldades na leitura e escrita. Talvez, esta experiência feliz tenha feito aflorar minha vocação!
   Dona Eumaia foi minha primeira e excelente professora nesta escola e durante três anos. Era comum o professor acompanhar sua turma até a conclusão do Curso Primário. Não ocorreu comigo porque nos mudamos, eu e meu pai, para o outro lado da Baía de Guanabara quando minha mãe morreu.
     Bem! E agora? 
     Depois de passar por portões e grades e homens da segurança... Entro num prédio escurecido, atravesso um corredor nebuloso que exibe uma sequência de salas obscuras, alcanço uma sala na penumbra, apesar de ser dia, circunscrita a um pequeno espaço, envolta numa “Babel” de estantes. Papéis por todo canto espalhados e objetos estranhos ao ambiente comprometem minha atenção.
Enquanto observo, sou interpelada delicadamente, pela funcionária que se identificou como - a Diretora!
- Muito Prazer! O que a senhora deseja?
  A visão de fora exibe construções de imponente mau gosto que se equilibram e se agigantam egoístas e coloridas com vermelho, laranja e amarelo, talvez para impor alegria e grandeza ausentes, cerceando árvores nobres e seculares que teimam resistir, num espaço que antes dominavam. A arquitetura grosseira  combina com as vozes estridentes de adolescentes que gritam frases difíceis de serem decodificadas, ante um ininteligente volume. A grosseria permeia o vocabulário empobrecido.
 Má vontade minha? Não! 
Todos falavam e ninguém ouvia. Uma desorganização assombrosa.Surpresa? Não. Afinal, este é o Presente que venceu!
- Estou visitando esta escola... Fui aluna aqui faz muito tempo.
- Ah! É? Eu também fui aluna daqui. Tenho cinquenta e nove anos!
- É! Somos de tempos difusos. Tenho setenta e oito anos! Frequentamos períodos diferentes. Era outra, a escola! A Diretora era d. Alzira e o aprender era realizado de forma livre, mas comprometido com o conteúdo da disciplina, responsável pela intimidade com o  sucesso.
   Aí, ela retrucou, sem simpatia:
- Faz um mês que ela morreu!Ela implantou a Escola Parque. Não deu certo!
- É não deu. Talvez, o projeto fosse ousado demais e extemporâneo. (Ironizei).
Só daqui a alguns séculos, quem sabe? Que pena! Cheguei atrasada!Gostaria de ter me encontrado com ela...
 Antes de me retirar perguntei pela torre encantada da caixa dágua. Ela disse, com certo desprezo, não existir mais.
  Lamentei! Ela era simbólica! Imagem de um tempo de delicada lembrança!
  - Era uma visão mágica!(Ouvi minha voz}Ela me lançou um olhar intrigado...
 Ao sair, o táxi contornou o Campo de S.Bento.
- Lá está o Coreto! Gritei contente!
 - Que bom! Ah! Olha as árvores seculares... Esparsas, mas valentes! 
  E, de repente, uma surpresa:

  A Torre da Caixa Dágua! Ei-la! Bela! Simples! Delicada e única!
  Inesquecível!!!
  Fiel como a Esperança!
  Ela estava viva!
  E eu também!
Zelia da Costa/NM/MT/03/11/2018/20:59