Bagagem
Tenho registros na minha memória:
- cargas sonoras, múltiplos
ruídos -
Sussurros roucos de beijos bem
loucos
Gritos - avisos de amigos roucos
Gozos vibrantes, camas
flamejantes
Risos dementes, meio irritantes
Miados, uivos, chiados, apitos
de campainhas que me alertavam
ou informavam da minha rotina
Das canções infantes, brinquedos
de roda
De um tempo doce que saiu de moda
Da batucada, do sangue a ferver
no ritmo doido até o alvorecer
Sons de pianos, violinos, sinos
tenho gravado dentro dos meus
tímpanos
Roncos falidos de um velho bonde
Do mar batendo não se sabe aonde...
De orquestras raras inundando
salas
De buzinadas, abafando falas
Trânsito insano, rito hodierno
de lotações saídos do inferno
De caminhões a destilar barulhos
ao recolher os lixos e os
entulhos
Lá... Bem longínquos... Surdos
estampidos
-festas juninas, fogos atrevidos-
Coaxar de sapos... Do bater de
asas...
Sons de panelas envolvendo as
casas
De aviões deixando aeroporto...
Sons dos parentes, a chorar seu morto!
Perfuratrizes rasgando asfaltos
Das sandálias novas... Dos
sapatos altos
Sons de riacho fugindo pro mar
e do “champagne”caro a estourar,
enquanto o arroto, o vômito e o
pum
tomavam espaço no lugar comum
Sons de emoções que me deliciaram
e dos silêncios que me encantaram
Vozes eternas de cantores bons
e das violas afinando os tons...
Sons da tristeza, da pura
alegria!
Da cachoeira quando explodia!
Do coração batendo na chegada,
de pés partindo pela madrugada...
E da paixões por mim, já
declaradas
Lembro a palmada no bebe chegando...
E dos soluços dos que vão penando
Do som da chuva penetrando a
terra
e dos trovões anunciando a guerra!
Da Liberdade que me faz errante
E da Justiça - obrigação
constante
De mala cheia, sigo comovida!
Vou carregando os sons da Minha Vida!
Zelia da Costa/Rio de Janeiro/2005