sexta-feira, 8 de outubro de 2021

QUERO SAIR AGORA


                            QUERO SAIR!

                           AGORA!!!

     Sim. Professor Neide era um bom professor de Ciência! Não era sedutor como o Professor de Português Corintho Alves!Nem exibia impostação gutural e dramática do Professor Romualdo Trajano, de História. Nem era docemente cativante como o sábio Professor de Literatura, Manuel de Cavalcante Proença, mas era simpático e sempre buscava provocar nosso interesse sobre o assunto a ser desenvolvido. Certo dia, no entanto, nos surpreendeu com a exibição de cartazes que marcaram, definitivamente, sua lembrança na minha tradição escolar.

    - Hoje eu trouxe pra vocês observarem uma interessante experiência, ocorrida em laboratório, para registro do comportamento populacional! Este é um estudo que se fez documento e que eu achei importante trazer para nossa aula!                            (Aquela impostação de voz... não era uma atitude comum nele.) Pela primeira vez, Professor Neide exibia uma expressão grave e, sem sorrisos, prendeu os cartazes na lousa e começou a dissertar de forma nova e austera.Uma imagem que nos surpreendeu pela dramaticidade!

    - Aqui estão expostas duas caixas!Todas duas estão contendo ratos!É! Ratos!Nesta primeira, foram colocados poucos indivíduos! Já nesta outra caixa, há uma quantidade bem maior. Estão vendo?

     Os cientistas observaram que nesta caixa com  população menor, os ratos se alimentavam pacificamente e cediam, cordialmente, lugar para os ratinhos mais jovens e os protegiam dos riscos das brincadeiras que pudessem causar danos. As ratazanas amamentavam suas crias e cuidavam delas carinhosamente, como mães naturalmente amorosas. O desempenho social neste grupo era solidário, cordial e tranquilo.

        Observem esta visão é quase orgânica! Harmoniosa!

       Já, a caixa que continha a superpopulação de animais era algo assustador! Além dos ruídos agressivos de ataques raivosos,observaram que os ratos maiores submetiam os menores a todo tipo de covardia, além de impedir que se alimentassem normalmente. As ratazanas comiam partes de suas crias quando nasciam e a violência entre todos era constante e desmedida.

      O Professor Neide explicou que os cientistas quiseram observar, com acuidade peculiar e, ainda provar, que o excesso de população provoca comportamento social anômalo porque o instinto de sobrevivência instiga e faz evoluir a violência.

     Éramos alunas do Curso Ginasial e estávamos na Quarta Série!

      É bem provável que ninguém lembre daquela aula e  menos ainda do professor, que não era uma figura exponencial, mas altamente determinado e eu nunca esqueci a dramática caixa superlotada de ratinhos, talvez, porque não tenho aversão por animal, exceto escorpião( nunca sei o que ele pensa)...

       E por que me conduziu a memória ao tão distante fato?

   Tenho observado, para meu espanto, que cresceu, assustadoramente, o número de mulheres assassinando seus filhos ou sacrificando de forma cruel, crianças. A violência é exercida por humanos contra tudo e todos.                                         

      A solidariedade - se tornou um comportamento raro!                   

      Crimes ganharam cenário patético de terror indescritível.             

      Autoridades públicas foram tornadas personalidades amorfas ou parte integrante de um processo irresponsável de condução da política de segurança e agem como figuras nocivas de um tempo perverso. 

     O povo não entende seu espaço, nem se reconhece como parte de uma engrenagem falida, constituída digressão amorfa.

       A Humanidade se perdeu do Destino e a Natureza não admite falha de consciência e assume o direito de reorganizar "esta caixa"!

               - Socorro! Onde, outra caixa? Quero sair desta! 

                                         AGORA!!!

             Zelia da Costa/NM/MT/08/10/2021/16:37


AGORA E NA HORA... AMÉM

                            AGORA E NA HORA... AMÉM

          Como tenho recordado as histórias de meu velho Pai... Aliás, eu nem posso me referir a ele  usando esta expressão porque "de velho”, ele nunca poderia ser chamado. Morreu  cedo.                      
         Engraçado que uso o verbo morrer sem sentir nenhuma dor.   
         A Morte é para mim uma sequência da Vida. 
         A Morte é real para quem deixa de existir e este não é o caso de meu Pai, minha Mãe, meu Avô Honório. Eles estão presentes por seus pensamentos transmitidos em palavras e ações que se eternizaram. Quero também esclarecer que uso letras maiúsculas nos nomes que respeito e amo, como Vovô, Amigos, Papai, Mamãe, Irmãos, País...
    
           Isso já não ocorre quando cito nomes de deputados, senadores ou juízes que, não raras vezes, o próprio computador faz negar a importância do registro da existência.
    
           Bem, voltando ao motivo deste texto -  as "histórias de meu Pai"!                       Lá vai mais uma que ele me contou para explicar a inexorabilidade do momento final.
  
           Esta teve seu início na França. 
           O Palácio de Versailles estava em festa. Um grandioso baile promovido por um de seus “ Louises”. De repente, iluminado por candelabros de cristal,  vagando por suntuosos  salões espelhados,em meio à elegância de roupas “chics”exibidas pela nobreza presente, tudo envolto por perfumes, cores flores, músicas, dança, iguarias deliciosas,  champagnes e vinhos raros -  um convidado se depara com a macabra figura da Morte - vestida de negro, empunhando sua foice e o encarando de forma a fazê-lo se arrepiar de espanto!
          Rápido, o nobre conviva surpreendido convocou seus servos e partiu em fuga desesperada. Buscou o infeliz, apavorado, um destino... O mais longínquo, o mais distante possível e escolheu -  o Deserto do Saara!
          Espantosamente, venceu a distância num tempo raro para a época, pois teve que organizar, num momento exíguo e extraordinariamente avesso, uma enorme caravana, farta de recursos que lhes permitiriam  sobreviver, num ambiente verdadeiramente inóspito, por um bom tempo.
  
       Enfim, conseguiram chegar! 
       Agora acomodado,cansado, mas feliz, saiu da tenda em pleno deserto!               Olhou para o horizonte árido, respirando fundo, admirando a vastidão, a profusão de areia, encantado com a solidão... À noite o silêncio prateado pelo enorme luar foi interrompido. Súbito, ei-la, a Morte! A Morte com sua negra e horrenda túnica, pairando a sua frente!Uma visão fúnebre e macabra!
     
         Aterrorizado, mas curioso ele a interpelou:

        - Ontem, eu estava na França, em Paris, num suntuoso baile de gala! Uma festa de indescritíveis luxo e prazer! E você apareceu assustada a me assombrar! O que você quer?

         Respondeu-lhe a Morte:

        - Eu não entendi... 
        Estava realmente em pânico! 
        Como você tendo que morrer aqui, hoje, a esta hora ...

        Ainda estava lá...Aquela hora? Naquele lugar distante?
  
         Desta maneira, a sua maneira, meu Pai me ensinara que todos tem um destino comum, natural e irreversível!

          Meu Pai só esqueceu que seu exemplo de dignidade e amor à família e ao próximo, o mantém vivo!

       Conheço e conheci  outras pessoas...
       São meus amigos, eternos amigos! 
       Meu Pai me ensinou a reconhecê-los. Muitos se foram, mas volta e meia, me pego rindo ou lembrando dos momentos que vivemos e os fazem presente! 
        Assim,nunca estou só! Garanto que eles vivem por aqui, ao meu redor...
        Inesquecíveis pessoas! 
        Carinhosamente...ainda convivemos!

                  Zelia da Costa/NM/02/11/2017/23:44.

    

PUR AMOR DI DEUSU!

 

                PUR AMOR DI DEUSU!

         - Acodi, fia!Acodi "pur amor di Deusu"! 

        O mininu tá lá fora caído, com a cabeça numa poça de sangue! Vige Maria! Ah! Meu Deusu! Acodi o mininu, fia!Piedadi!

        Piedade era mais que um rogo. Era o desespero de um socorro urgente!

        D. Maria estava desnorteada e me deixou assustada!

       - Lá fora... Onde? Quem?

       - Juntu do portão, fia...Caídu! Achu que ele queria entrá...Vamus lá queu mostru, fia... Coitadu...Qui coisa tristi, meu Deusu!Vamus lá, fia....

       Atravessamos o corredor de saída e o pequeno jardim que envolvia a frente da escola.Abri o portão e me deparei com a cena que me levou e à dona Maria, às lágrimas:

        Caído sobre a terra, um barro vermelho e seco e quente, sob um Sol ardente, vestido de sujos farrapos manchados de sangue e com a cabeça enterrada naquele monturo empapado de sangue... Um menino franzino, desacordado!

         - Vamus levá ele pra drentu, fia!

          - Espera d.Maria... Ele está nos ouvindo...

         - Fio, o que aconteceu?

          Vagarosamente, ele abriu os olhos imundos.

         - Fio, fala pra genti, que é qui hove? Meu Deusu! Eu sei quem é ele! Ele já foi aluno daqui!

         Agora, ela desesperara!

          - Calma d. Maria! Você caiu?Como se machucou? Foi briga?

          Agora, chorando, ele nos encarou.

         - Ela queria arrancar minha orelha!

         - Ela, quem?

         - Minha mãe!

         - Sua mãe? Exclamamos juntas!

         D. Maria fez um sinal pra mim e perguntou:

          - Dá pra ocê andá?Eu ajudu entrá na iscola. Vamu limpá "desse" sangui...

         Em choque com a cena, tornei  a insistir:

         - Onde você se machucou?

         Minha mãe queria que fosse buscar cachaça e  aí eu falei que ela já estava bêbada e eu não ia...Aí, ela avançou pra mim e me mordeu a orelha...Doeu muito...Ainda tá doendo muito... E, aí, gemendo, levou a mão a orelha que ainda sangrava...

          - Vamos entrar...Você toma um banho... Eu vou por um remedinho pra desinfetar e se precisar... A gente vai ao Posto, será melhor um médico ver,certo? Espera até a merenda, está bem?

          - Você já comeu hoje, fio?

        - Nem hoje... nem onti...Cum certeza!

 (Cochichou d. Maria, baixinho). 

         - Faz assim... Enquanto espera servir a merenda, você come um pãozinho,está bem?

           (Eu estava em choque!)

           - Como você se chama?

           - Valdir!

           Soube,por d.Maria que ele frequentara a escola durante um tempo, mas não era um aluno assíduo. A mãe era intratável e alcoólatra. Filho de pai desconhecido, tinha um irmão adolescente, filho de outro pai, que nunca soubera quem.

        E aí? Que fazer?

       Eu tinha na escola, um armário com roupas. Foram doadas por amigas. Rápido, procurei algo que coubesse naquele corpo esquálido, enquanto ele tomava banho. Soube que tinha nove anos, mas parecia bem menos.Agora, vestido e limpo devorava como um animal faminto, a comida servida por d.Maria...

           E aí?

        - Bem, d. Maria e agora? O que fazer com ele?

         - Tem jeito não, professora... Ele comeu e fugiu.

          - Como fugiu?

          - Ele me pediu água e quando voltei...Ele não tava mais!Sumiu na estrada!

           Zelia da Costa/NM/MT/10/07/2021/18:33.