VIAGEM AO FUTURO DO
PRETÉRITO
Há muito desejava ir à Escola Joaquim Távora.
Frequentei este ambiente, até cerca dez anos de idade. Vivi neste tempo a
turbulência de um problemático período da doença fatal que vitimou minha mãe.
Tenho absoluta certeza que, não fora aluna deste “Grupo Escolar”, como eram
denominadas na época as escolas públicas, trágicas memórias teriam tomado todo
o espaço da minha infância.
Assim, sou grata pelo
carinho e atenção, de todos os antigos funcionários desta escola por integrarem,
de forma dinâmica e expressiva e acolhedora, o envolvimento saudável nas
atividades curriculares, sociais e cívicas. Tenho setenta e oito anos e quero ser a voz de todos os privilegiados alunos daquela época.
A imagem antiga ficou marcada
pelo perfume e altivez das antigas árvores remanescentes da floresta sagrada de
Ararigbóia, o valente Cacique da Tribo
Temiminó que habitava aquela região.
A Escola Joaquim Távora ocupava o Campo de S. Bento, um ideal
sacramentado na concretização de uma ideia. Um sonho de inspiração avançada que
se materializou naquele espaço entre árvores seculares, riachos, pontes, gramados
, jardins, flores, pássaros e o perfume da outrora mata venerada.
Por aquele terreno se distribuíam os prédios, obedientes à arquitetura
acolhedora de uma escola projetada, visando os benefícios de uma dinâmica de
Educação, que deveria contaminar este Presente. Hoje, um triste Futuro Pretérito...
Há muito queria tornar aquele lugar! Queria ver de fato, o rumo que foi
dado pelas sendas do tempo, esse enorme espaço entre o ontem e o hoje!
Não fui
visitar o Passado...
Fui na busca de um Presente arquitetado na distância dos sonhos!...
Lá atrás, o espaço dominado pela Joaquim Távora era livre de qualquer
limite físico, tais como:
- cercas, muros, grades, alarmes –
Não me espantou a presença destes signos, registro da época de hoje,
quando a insegurança domina toda a população.
Curiosíssima, eu estava para ver como havia evoluído a expansão de um
destino?
Posso quase afirmar que seus idealizadores experimentaram o sistema hoje
chamado “Campus” que funciona em algumas universidades.
O Refeitório era um longo prédio, em forma de “ T “ que abrigava a
enorme cozinha quadrada limitada pelo salão de refeições onde imperava d. Elza
e suas habilidades culinárias. Depois da refeição, ouvíamos em repouso, histórias
contadas por professoras que rolavam um cilindro com as ilustrações pertinentes.
Muitos cochilavam, tamanho era o silêncio encantado!
Um outro ambiente era a Sala de Artesanato com sua varanda em arcos e que
ficava quase isolada, não fora a vizinhança da linda torre vazada e decorada
que sustinha a caixa dágua. A razão do imposto isolamento, se devia ao ruído
provocado pelas aulas de trabalhos manuais em metal e madeira. O bordado e a
pintura também eram materiais produzidos pelos alunos e tudo artisticamente apresentado
na Exposição de Arte, no final do ano.
O Gabinete da Diretora ocupava um espaço quadrilátero. Imponente, como o
cume de pirâmide, era todo exposto em madeira vazada e vidro “bico de jaca” cortado em pequenos retângulos que preenchiam suas
largas portas, abertas para a intimidade de uma relação incomum e devassada.
Embora todos tivessem livre acesso, havia uma espécie de pacto, culto ao respeito local. Ele
encimava alguns degraus de escada, limitados por cantoneiras floridas que iam
até o chão. Era como um jardim suspenso inserido num “canteiro”. Suas
dependências abrigavam a Secretaria e um Mini Museu onde eram expostos, nas
vitrines fechadas, animais embalsamados. Havia uma parte destinada à Biblioteca,
frequentada pelos alunos que retiravam livros, ora lidos em casa, ora lidos sobre a grama
dos jardins da escola.
A recreação acontecia no espaço livre do Campo de S. Bento. Era permitido
levar bicicleta e até patinete!
A Diretora D. Alzira Bittencourt era uma figura exponencial! Educada e
carinhosa impunha sua autoridade pela presença elegante e dominadora. Doces :
olhares, sorriso e voz... Sabia conquistar pais e alunos!
Espaços livres, limitados por arbustos, funcionavam como
salas de aula. Não raras vezes, pássaros faziam surpresas “ sujando” nos
cadernos, oportunizando petelecos que geravam “guerra de coco de passarinho”
que nunca terminavam bem!!!
Havia um grande pavilhão fechado. Nele, o espaço para Educação Física
nas quadras de volley e basquete limitadas por lances de arquibancadas, com
degraus em cimento vermelho e base coberta de tacos de madeira envernizados
onde sentávamos como plateia. Frente a essa arquibancada, margeando este vão,
um grande palco. Ali eram exibidas as festas cerimoniais cívicas e peças
encenadas e escritas também por nós. Os banheiros eram elegantemente ocultos, embutidos
nos vãos laterais.
Sob as arquibancadas se localizavam de um lado
o Gabinete Médico e do outro o Dentário. E funcionavam!
Havia dois clubes: o Brasileiro e
o Pan Americano.
Eu era do Pan Americano porque o uniforme
era todo branco e eu o achava lindo! O Brasileiro vestia uniforme comum: azul e
branco.
Aos clubes cabia a organização das festividades que eram submetidas à
discussão e sugestões de todos: alunos, professores e da D. Alzira. Juntos, integrávamos
propostas e ideias de composições musicais, dramatizações e textos.
Havia num outro espaço contíguo, um
belo Coreto decorado com arte em ferro localizado à esquerda, no Campo de São
Bento onde se costumavam exibir, nos fins de semana, Bandas de Música de cidades do interior
para o público em geral.
De quando em vez, havia projeções de filmes
infantis para nós. Um sucesso! Lembre-se que a Televisão não existia!
Ah! O Canto Orfeônico! Que saudade!
Cantávamos,
diariamente, o Hino Nacional antes de "ingressar" nas aulas! Aliás, cantar os Hinos
chamados Patrióticos era um dever cívico que cumpríamos orgulhosos! Assim, os
Hinos que louvavam à Bandeira, Independência e República nos irmanavam. Éramos
geração pós-guerra!
Fui alfabetizada por minha mãe. Cheguei à
escola lendo “com desembaraço” e
gostando de ler para espanto geral, o
que me enchia “de prosa”!
Minha professora pedia para eu ajudar crianças com
dificuldades na leitura e escrita. Talvez, esta experiência feliz tenha feito
aflorar minha vocação!
Dona Eumaia foi minha primeira e excelente professora nesta escola e
durante três anos. Era comum o professor acompanhar sua turma até a conclusão
do Curso Primário. Não ocorreu comigo porque nos mudamos, eu e meu pai, para o
outro lado da Baía de Guanabara quando minha mãe morreu.
Bem! E agora?
Depois de passar por
portões e grades e homens da segurança... Entro num prédio escurecido,
atravesso um corredor nebuloso que exibe uma sequência de salas obscuras,
alcanço uma sala na penumbra, apesar de ser dia, circunscrita a um pequeno
espaço, envolta numa “Babel” de estantes. Papéis por todo canto espalhados e objetos estranhos ao ambiente comprometem minha atenção.
Enquanto observo, sou interpelada delicadamente, pela funcionária que se
identificou como - a Diretora!
- Muito Prazer! O que a senhora
deseja?
A visão de fora exibe construções de imponente mau gosto que se equilibram e se agigantam
egoístas e coloridas com vermelho, laranja e amarelo, talvez para impor alegria
e grandeza ausentes, cerceando árvores nobres e seculares que teimam resistir, num espaço que
antes dominavam. A arquitetura grosseira
combina com as vozes estridentes de adolescentes que gritam frases
difíceis de serem decodificadas, ante um ininteligente volume. A grosseria permeia o vocabulário empobrecido.
Má vontade
minha? Não!
Todos falavam e ninguém ouvia. Uma desorganização assombrosa.Surpresa?
Não. Afinal, este é o Presente que venceu!
- Estou visitando esta escola... Fui
aluna aqui faz muito tempo.
- Ah! É? Eu também fui aluna daqui.
Tenho cinquenta e nove anos!
- É! Somos de tempos difusos. Tenho
setenta e oito anos! Frequentamos períodos diferentes. Era outra, a escola! A
Diretora era d. Alzira e o aprender era realizado de forma livre, mas
comprometido com o conteúdo da disciplina, responsável pela intimidade com
o sucesso.
Aí, ela retrucou, sem simpatia:
- Faz um mês que ela morreu!Ela implantou a Escola Parque. Não deu certo!
- É não deu. Talvez, o projeto fosse
ousado demais e extemporâneo. (Ironizei).
Só daqui a alguns séculos, quem sabe?
Que pena! Cheguei atrasada!Gostaria de ter me encontrado com ela...
Antes de me retirar perguntei pela torre
encantada da caixa dágua. Ela disse, com certo desprezo, não existir mais.
Lamentei! Ela era simbólica! Imagem de um tempo de delicada lembrança!
- Era uma visão mágica!(Ouvi minha voz}Ela me lançou um olhar intrigado...
Ao sair, o táxi contornou o Campo de S.Bento.
- Lá está o Coreto! Gritei contente!
- Que bom! Ah! Olha as árvores seculares... Esparsas, mas
valentes!
E, de repente, uma surpresa:
A Torre da Caixa Dágua! Ei-la! Bela! Simples! Delicada e única!
Inesquecível!!!
Fiel como a Esperança!
Ela estava viva!
E eu também!
Zelia da Costa/NM/MT/03/11/2018/20:59