IGOR
Antes de conhecê-la fui
conquistada pela grandeza da sua história. Eu tenho muita sorte! Se a vida me
envolveu em algumas tramas dolorosas, também foi capaz, tenho que reconhecer, de
me oferecer oportunidades de conviver com pessoas cuja dimensão do caráter e
pureza de amor enobrecem o espírito humano.
Minha amiga Rita é professora
de piano, proprietária do Instituto Villa Lobos, em Adamantina, um Conservatório de Música que dirige com carinho, sensibilidade, dedicação e competência há muitos
anos. Um dia, ela veio me contar ter sido procurada pela mãe de uma criança com
Síndrome de Down. A mãe havia, tempos atrás, pedido um favor especial - gravar
os sons dos instrumentos de sua escola para o filho começar a identificar a
sonoridade de cada um.
- Zelia, esta mãe é uma
mulher incrível! Imagina que o Igor nasceu com um problema que prejudicou seus
músculos e que dificilmente ele poderia andar. Você acredita que ela deixou
apenas a mesa no centro da sala de jantar e começou a “engatinhar” em torno dela com o
filho?
Aos poucos, o menino foi recuperando os movimentos e hoje, aos três anos, ele anda perfeitamente. Uma amiga comum me disse que se somasse a extensão percorrida, este trabalho paciente chegaria a quilômetros, mas que tinha sido realizado com tanto carinho e critério que o menino se divertia sem perceber o esforço.
Aos poucos, o menino foi recuperando os movimentos e hoje, aos três anos, ele anda perfeitamente. Uma amiga comum me disse que se somasse a extensão percorrida, este trabalho paciente chegaria a quilômetros, mas que tinha sido realizado com tanto carinho e critério que o menino se divertia sem perceber o esforço.
Foi assim
que tomei conhecimento da existência de Igor.
Certa
vez, Rita me falou que a mãe de Igor estava muito feliz porque o menino tinha
conseguido distinguir alguns sons: sino, campainha, buzinas etc. Agora, ela
queria o registro de instrumentos musicais, mas estava encontrando
dificuldades. Para começar ela gravou, então, no Conservatório pequenos trechos
melodiosos de piano, flauta, órgão e violão. Rapidamente, o menino foi capaz de
identificá-los. Diante do resultado tão animador ela procurou Rita na busca de
sons de outros instrumentos. Rita comentou comigo. Lembrei-me que meu amigo, o
Maestro Júlio Medalha era, na ocasião, Diretor e Regente da Orquestra Sinfônica de S. Paulo.
Liguei para ele. Contei-lhe a história e perguntei se haveria possibilidade de atender à mãe de Igor. Ele tornou a me telefonar dizendo que conversara com os músicos e sorridente me informou o dia de ensaio que ela poderia comparecer. Comuniquei a mãe de Igor. Ela ficou feliz e grata pelo meu interesse. Estávamos emocionadas. Quando ela retornou da viagem contou-me feliz:
Liguei para ele. Contei-lhe a história e perguntei se haveria possibilidade de atender à mãe de Igor. Ele tornou a me telefonar dizendo que conversara com os músicos e sorridente me informou o dia de ensaio que ela poderia comparecer. Comuniquei a mãe de Igor. Ela ficou feliz e grata pelo meu interesse. Estávamos emocionadas. Quando ela retornou da viagem contou-me feliz:
- Todos, o Maestro Júlio Medalha e os Músicos foram extremamente
generosos e solidários. Todos queriam que eu gravasse seus instrumentos e como
haviam vários instrumentos repetidos- violinos, trombones, etc.,eu pude gravar sons resultantes de
diferentes técnicas o que produziu notáveis variações. Agora tinha o registro dos sons de uma orquestra sinfônica!
Harpa, oboé, violino, trombone, fagote, pratos, etc. Serei eternamente grata ao maestro pela nobreza de sua compreensão e carinho e aos músicos pela paciência e generosidade.
Harpa, oboé, violino, trombone, fagote, pratos, etc. Serei eternamente grata ao maestro pela nobreza de sua compreensão e carinho e aos músicos pela paciência e generosidade.
O tempo
passou. Igor estava com quase cinco anos quando sua mãe me procurou. Queria
matricular seu filho no Pinguinho de Gente, minha Pré-Escola.
- Infelizmente
não poderei atendê-la. Até gostaria, mas não tenho professor especializado
nesta área.
- Eu
tentei a APAE, mas são muitas crianças e...
- Eles são
especialistas, retruquei.
- Eu sei,
mas você também é.
Rimos
juntas. Ficava difícil recusar a quem tinha experiência em milagres, negar a
possibilidade de fazer acontecer mais um.
- Espera.
Eu preciso de um tempo. Um tempo para eu
pensar “como”, quando, se...
Ela foi
embora feliz.
Conhecendo sua tenacidade, sabia que não desistiria.
Havia uma
pracinha próxima à escola. Nela um pequeno lago exibia uma delicada
ponte de madeira com toque oriental. De resto, canteiros bem cuidados e árvores
antigas e floridas sombreavam os bancos, também de madeira, dispostos
calculadamente pelo espaço. Os canteiros coloridos por flores e pequenos
arbustos e grandes árvores atraíam as lindas borboletas, flores aladas a encantar minhas crianças.
Os pássaros não economizavam surpresas nas cores e nos cantos. Eu gostava de ir com os alunos aquele
lugar depois da merenda. Gostava de vê-los sentados ao redor enquanto contava
histórias. Eles se encantavam com as descobertas de minhocas, caramujos... Eu
queria que eles desenvolvessem a observação e lhes garantir a oportunidade de entender
que a terra que se pisa tem vida...
A terra é viva!
A terra é viva!
Foi ali, que
uma criança me fez ver o caminho.
- Olha só! Esta
árvore grandona e esta tão pequenininha!
- A Natureza é assim. Olhem quantas plantas diferentes! Todas convivendo no mesmo jardim. No mesmo espaço. Vou fazer um desafio:
- Quero que vocês me mostrem duas folhas da mesma planta que sejam iguais! Iguaizinhas: mesmo tamanho, mesma cor, mesmo feitio, mesma idade!
- Quero que vocês me mostrem duas folhas da mesma planta que sejam iguais! Iguaizinhas: mesmo tamanho, mesma cor, mesmo feitio, mesma idade!
Entusiasmados entraram
no jogo.
Depois de um
tempo, já com os ânimos arrefecidos, chegaram à conclusão que embora tivessem
origem na mesma planta havia sempre um detalhe que impedia ser igual.
- A Natureza é
sabia. Olhem pra nós. Temos olhos, boca, cabelos.
Parece que somos iguais. Olha que maravilha! Cada um de
nós é único! Cada um de nós é um milagre da Natureza! Somos, cada um, exemplar sem cópia!Agora olhem o jardim.
Essa plantinha tão pequena protege as raízes expostas dessa árvore grande, livra-a de insetos que a
fariam adoecer e até morrer! Neste jardim cada planta também é original e vivem
todas no mesmo espaço e cuidando umas das outras. Todas são importantes, necessárias, preciosas. Todas tem
uma razão para existir.
Olhem cada um de seus coleguinhas:
- Vejam que maravilha!
-Vocês estão vendo uma pessoa única!
-Ninguém é igual a ninguém!
- Cada pessoa é original, importante. É um presente e juntos somos um grande milagre. Cada um de nós tem qualidades especiais. Juntos podemos fazer coisas maravilhosas.
Olhem cada um de seus coleguinhas:
- Vejam que maravilha!
-Vocês estão vendo uma pessoa única!
-Ninguém é igual a ninguém!
- Cada pessoa é original, importante. É um presente e juntos somos um grande milagre. Cada um de nós tem qualidades especiais. Juntos podemos fazer coisas maravilhosas.
Se eu tirar
uma plantinha dali, ela é capaz de morrer. Ali, junto com todas, ela está feliz
e segura. É preciso proteger a Natureza.
Vamos dar um
grande abraço nas árvores. Eu garanto que elas vão ficar felizes.
A Natureza durante tempos e tempos construiu este trabalho de identidade e, é um crime contra Ela querer que todos sejam iguais. Nós precisamos ser dignos deste milagre. Compreender isto nos faz merecer a vida!
A Natureza é generosa! A gente precisa aprender com Ela!
A Natureza durante tempos e tempos construiu este trabalho de identidade e, é um crime contra Ela querer que todos sejam iguais. Nós precisamos ser dignos deste milagre. Compreender isto nos faz merecer a vida!
A Natureza é generosa! A gente precisa aprender com Ela!
Contei pra eles,
ali mesmo, que estávamos para receber um novo colega e expliquei:
- Vocês viram que há folhas maiores, menores... Mas todas
são folhas. Isto é natural. Não há nada de especial nisso. Elas são todas
folhas. Vocês concordam?
Às vezes, uma plantinha precisa de mais cuidado, Isto não
a torna especial porque ela já é única, como todas as outras.
- Igual à gente! Alguém disse.
Isso mesmo. Igual à gente!
- É claro que eu vou precisar do apoio de todos vocês.
Sabem por quê?
Porque ele nunca
estudou em outra escola. É como esse jardim, vocês são minhas flores. Eu sou
essa árvore grande, mas preciso de vocês minhas plantinhas para me ajudar a ajudar
Igor. Igor é o nome dele. Posso contar com vocês? Ele precisa de amigos como
vocês. Amigos especiais, como nós.. Precisa do carinho, como vocês, eu, todos nós. E aí?
Se você não
acredita que eu falei desta forma e que eles entenderam perfeitamente é porque
você está ano-luz distante da inteligência e da sensibilidade das crianças.
Elas não só entenderam como abriram espaço há mais de vinte anos, para
minha primeira experiência de integração de crianças com Síndrome de Down nas
classes comuns.
Minha experiência
com alunos de três, quatro, cinco e seis anos me levou a concluir que as
crianças nascem com possibilidades de inacreditável capacidade para aprender,
porém ingressam neste modelo educacional do país e vão “emburrecendo”. Quando
eles estão quase estúpidos, aí, eles fazem vestibulares. Aqueles que conseguem
escapar deste rebanho ou são dotados de inteligência privilegiada ou deram a
sorte de frequentar uma boa escola ou encontraram mestres raros,escapam!
Quando Igor
chegou eu não o coloquei, imediatamente, na sala de aula. Precisava conhecê-lo.
Conhecer sua reação naquele ambiente estranho cercado de adultos e crianças que
não eram de sua intimidade. Para que se integrasse com naturalidade ele
merendava junto e participava da recreação. Duas semanas, o tempo necessário
para sua adaptação.
Logo chegou Marina. Ela já frequentara outra escola.
Quando Igor e Marina começaram no Pinguinho de Gente
houve uma debandada de alunos. Os outros pais não admitiam a convivência daqueles retardados com seus filhos.
Fiquei em pânico. Os pais das duas crianças me procuraram querendo desistir
porque temiam o tamanho do meu prejuízo.
- As crianças tiveram maturidade e solidariedade para
entender a importância desta convivência. Esses adultos preconceituosos e
ignorantes ainda vão se envergonhar. Os dois ficam.
Soube que os
pais de Igor e Marina foram às residências destes alunos pedir que retornassem
porque eles não queriam me prejudicar.
Fiquei muito
aborrecida quando soube disso depois. Eu já tinha decidido que podiam sair
todos porque eles ficariam. Questão de honra.
Alguém deu “parte”
da minha decisão de “misturar” crianças
retardadas com crianças normais e
recebi, de repente, a visita de um psicólogo para observar o comportamento e a convivência
do grupo.
Deixei o
“doutor” à vontade. Pediu-me que indicasse as crianças. Percebi pela sua
expressão que não aceitava a situação.
- Descubra! Eu posso lhe garantir que as duas crianças
estão neste ambiente. Sorri debochando.
Como estavam extremamente
atentos, envolvidos na atividade e as mesas eram circulares, sentados e de costas,
ele não conseguia identificar os dois. Só quando os chamei pelos nomes e eles
atenderam é que ele os reconheceu.
Eles sorriram
felizes e acenaram e voltaram à atividade, motivo de seu interesse no momento.
Eu os interrompi:
- Temos visita. Vamos lhe dar “boas vindas”?
Sorridentes todos
ficaram de pé e cantaram e encantaram. Eram tão pequenos...
- É Professora. Não sei como consegue, mas consegue.
Desculpe a minha visita inesperada. Não vou mais importuná-la. Foi muito bom
vir aqui.
Senti que estava
envergonhado, pois, chegara cheio de empáfia.
Ao se despedir me contou a verdade.
- Sabe esta história
de agregar todas as crianças desta forma tinha tudo pra não dar certo.
-É. Mas deu. As pessoas não ajudam, mas gostam de
atrapalhar.
Com o tempo
algumas crianças retornaram. Tinham saudades. Ficaram chorosos, outros
agressivos. Alguns passaram a dormir mal. Os pais foram vencidos e eles estavam
de volta.
Depois de Igor e
Marina, chegaram mais três.
Um dia a mãe de
Igor me procurou chorosa:
- Ah! Professora! Meu marido foi nomeado para Dourados.
Fica em Mato Grosso do Sul. Estamos tristíssimos porque Igor vai muito bem. Ele adora
a escola e está quase lendo.
- Ah! Professora, essa integração com as outras crianças
foi muito benéfica. Ele canta, diz versos, mostra os trabalhinhos pra todo
mundo. Suas pinturas são inacreditáveis. Ele tem prazer em vir e falar de seus
amigos, dos passeios, brincadeiras, da bandinha... sou muito grata a todos.
Levou-nos para conhecer a árvore que plantou na cidade. Disse que é dele. Ele
tem que protegê-la.
- Você conhece a nova cidade?
- Não, mas vamos
mudar logo.
Fiquei muito triste, além do mais, Igor era o principal “tambor”
na bandinha.
O tempo passou e
um dia a mãe de Igor foi me visitar. Notei que estava feliz.
- Professora,
desculpe interromper seu trabalho, mas precisava lhe falar.
- Como vai Igor?
- Quando cheguei a
Dourados fui logo procurar uma escola e pra minha surpresa havia uma pré - escola
com o mesmo nome da nossa – Pingo de Gente! Acredita? Pingo de Gente!
Entrei para conhecer. Fui recebida pela Diretora que era a dona e foi logo me explicando que fazia um trabalho diferenciado porque como tinha um filho com síndrome... Ela acreditava nos benefícios da integração para todos e era este o sistema que oferecia. A senhora acredita? Eu fiquei sem fala. Ela soube que eu vinha aqui e mandou cumprimentá-la pelo incrível sucesso de Igor. Ele já está lendo. É um menino alegre, cheio de amigos, porém sente muita saudade. Pediu que lhe desse um grande abraço e muitos beijos.
Entrei para conhecer. Fui recebida pela Diretora que era a dona e foi logo me explicando que fazia um trabalho diferenciado porque como tinha um filho com síndrome... Ela acreditava nos benefícios da integração para todos e era este o sistema que oferecia. A senhora acredita? Eu fiquei sem fala. Ela soube que eu vinha aqui e mandou cumprimentá-la pelo incrível sucesso de Igor. Ele já está lendo. É um menino alegre, cheio de amigos, porém sente muita saudade. Pediu que lhe desse um grande abraço e muitos beijos.
Ah!Adora música!
Eu estava sem
fala e chorando. Outro Pinguinho de Gente...em Mato Grosso do Sul!
Hoje esta
integração tem a garantia da lei.
Agora me diz:
Tenho ou não tenho razão pra acreditar em milagres?