quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O FAROLEIRO (parte 2)


Num domingo, de repente, ele surgiu com uma caixa pequena.
- Mãe! Seu Augustinho!
Meu Pai ria, abrindo largo: os braços e o sorriso!
- Não quis avisar! Surpresa é surpresa!
Olhando pra mim, cheio de ternura, falou ao meu ouvido:
- Vamos lá “pros” fundos ver o que eu trouxe para você!
- Fui pulando, correndo. Coração “na boca”!
A caixa não parecia pesada.
Adivinha o que eu tenho aqui dentro?
Gatinho não deveria ser, eu tinha muitos e ele sabia. Os meus e os da vizinhança e comiam todos lá em casa!
- Um cachorrinho!
Ele riu!
Meu Pai estava curioso e minha Mãe quase “caiu dura” quando ele retirou da caixa “Chico”!
Chico era lindo! Um porquinho branco com uma manchinha preta sobre um olho! Tão branco que chegava a ser cor de rosa!
- Seus olhos são azuis! Ele é todo colorido!
Seu Augustinho estava feliz com o sucesso do seu presente!
- Agora você pode “dar um descanso às galinhas”! E ria gostoso como menino travesso!
Chico  passou a ser meu melhor amigo! Conversávamos muito. Afinal, ele também era único! Quando me via, corria pra perto da tela de arame que cercava seus domínios, “roncava” baixinho para segredar coisas que só nós desfrutávamos. Eu aprendi a também “roncar”. Ele comia sempre uma cenoura que lhe oferecia e se deliciava com este carinho.
Todos os meus amigos vinham a minha casa pra “conversar” com Chico.
- Quando ele crescer você vai comer ele?
- Você está proibido de voltar aqui!
- Por quê?
- Nunca vi ninguém comer amigo!
Meus pais resolveram mandar “cimentar” a casa de Chico, era mais prático, pois, sabiam que ele ganhara a “vida eterna”.
Seu Augustinho morava sozinho no meio daquele “marzão”,  no farol. Lá, ele criava porcos, cabras, galinhas  e pescava. Falava pra mim das tempestades. Das ondas gigantescas que cobriam as pedras e que batiam furiosas nos penhascos  e dos enormes navios que ficavam parecendo cascas de nozes ao sabor da fúria!
Eu, de olhos arregalados, “via” o navio encolhendo em meio ao oceano ameaçador e o via ficando pequenininho, pequenininho...( Criança entende tudo ”ao pé da letra”).   Dizia que quando os trovões roncavam, os raios cortavam os céus e os ventos avançavam, ele cerrava as janelas todas ou as abria todas para se proteger. Empolgado com a própria narrativa, ele levantava e se erguia e crescia e parecia um “gigante” daquelas histórias que eu lia e ouvia: um deus do mar, um Netuno!
            Outras vezes, com serenidade, ele narrava suas aventuras sob as águas quando elas, pacíficas e translúcidas, compartilhavam todo o seu esplendor! Era como se eu mergulhasse com ele e tocasse a vida submarina com as próprias mãos! Dizia que era possível acariciar peixes e que muitos deles, curiosos, até o seguiam. Eu deslumbrada nem piscava!
     Ele escrevia sobre suas solitárias experiências.
     Só ia pescar de barco. Não queria ser visto por algum dos seus amigos marinhos!
      - Você gosta de flores?
      - Muito!
      - Sabe que no mar tem jardins?
      - Jura? Tem flores?
      - Tem! Tem até frutos!
      - Jura?
     - O dia que seus pais quiserem, vou levar vocês lá e se eles deixarem você vai mergulhar comigo.
     - O senhor não fica triste lá... sozinho?
(Este era um tempo em que as crianças tratavam os adultos por “senhor”).
     - Quem disse que eu fico sozinho?
     - Meu Pai!
     - Ficaria, se as gaivotas deixassem. Se não tivesse que cuidar de todos que vivem comigo e, principalmente,  do meu Farol! Se eu não estivesse lá, aqueles navios de que falei teriam afundado e muita gente já teria morrido!
     Era orgulhoso da sua responsabilidade.
     - O senhor gosta de morar lá?
     - Eu não conseguiria viver noutro lugar!
     E ficávamos ali, horas a conversar: eu e o Senhor Netuno!
zeliadacostamt@gmail.com

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