terça-feira, 13 de dezembro de 2011

A MAGIA DA REALIDADE


      Ao toque da campainha, todos os alunos formavam para cantar o Hino Nacional e ver hastear a Bandeira Brasileira!
       Entre centenários ingazeiros que manchavam de sombras sua fachada poderosa, em meio a um bosque quase irreal, erguia-se a construção que na época era chamada “Pavilhão”. Nele havia um anfiteatro com um imenso palco. Um grande espaço ocupado por duas quadras de esporte. Ali se jogava vôlei ou basquete. Havia arquibancadas de cimento vermelho tendo a base em tacos de madeira. Sob as arquibancadas, de um lado estava o Gabinete Dentário e do outro o Consultório Médico. A primeira vacina contra a varíola, em mim, foi aplicada lá! O Pavilhão era aberto à comunidade e outras escolas também o utilizavam nos finais de semana.  O que me dei conta, muitos anos depois, foi do avançado plano arquitetônico que distribuía pelo espaço natural, prédios destinados ao trabalho de Educação, de forma harmoniosa, integrada aos objetivos ambiciosos de quem, como um visionário, transformou o sonho na realidade que, tenho certeza, você terá dificuldade de crer. Senão vejamos:
 - no mesmo bosque, distante cerca de quatrocentos metros à direita, ficava a Oficina de Arte, um prédio emoldurado pelos arcos que limitavam a espaçosa varanda. Lá, se aprendia desde o fino bordado e suas tramas até trabalhos em metal, carpintaria, olaria, etc. Todo tipo de artesanato. Próximo, se destacava a torre bem alta, vazada, aparentemente frágil, mas que sustentava sem esforço, um imenso reservatório de água.
  Distando do Pavilhão uns bons duzentos metros, estava o imenso Refeitório. Era o domínio de dona Elza, a chefe da cozinha, uma crioula alta de imensos busto e sorriso. Especialista em nos persuadir a comer. O café farto era servido a nossa chegada. O almoço às onze horas. Ao término, as professoras nos solicitavam que, de braços cruzados sobre a mesa, “pousássemos” a cabeça sobre eles. É incrível, mas lembro perfeitamente de elas usarem o verbo pousar!  Ficávamos assim durante uns dez minutos. Muitos até dormiam, sem interrupção... A seguir, uma delas, nos contava estórias, enquanto outra ia desenrolando, ao mover a manivela, um carretel de ilustrações pertinentes às cenas narradas ou desfolhando as páginas de um álbum que ilustravam a estória. Eram os recursos visuais da época.  A voz calma e melodiosa vencia as últimas resistências e não raro, o sono nos impedia de acompanhar a narrativa até o término. Afinal, acordávamos muito cedo, chegávamos às sete horas da manhã e saíamos às dezesseis horas!  Encerrada a estória, éramos livres para nos dispersar pelo bosque, recreação livre durante uns quarenta minutos quando então a campainha soava.
   Entre árvores monumentais corria um riacho raso, onde pássaros se banhavam e bebiam água. Eram muitos e entre eles as garças, elegantes e ariscas - um toque paradisíaco.
  Ligando as margens, pontes de cimento construídas imitando troncos largos de árvores atravessavam o vão do córrego e os percorríamos de braços abertos, testando o “equilíbrio”, embora também houvesse pontes rústicas, delicadas e seguras de madeira.
    Ao lado deste bosque, uma praça exibia um “Coreto”. Era quase uma continuidade da mesma paisagem e ele era construído de ferro, imitando galhos entrelaçados de árvores. Ali, nos finais de semanas, algumas bandas do interior do Rio de Janeiro se apresentavam.
 Salas de aula ocupavam espaços ao ar livre, cercados por “fícus”, daqueles cuja folhinha se enrola e assobia. Ah! Nunca mais vi ninguém fazer isso! Provavelmente, você nunca tenha visto e nem ouvido. Não importa! O que interessa é dizer que eram podados de forma a criar uma cerca viva que limitava os ambientes. Havia salas circulares, quadradas, retangulares... Vez por outra, um pássaro deixava cair um cocozinho sobre um caderno, um livro ou em nós e, eu me lembro, ficávamos doidos pra dar um “peteleco” neles, pra cima de alguém. Pura molecagem
        Quando o tempo “ameaçava” com vento ou chuvas, íamos para o Pavilhão onde as aulas transcorriam normalmente. O mobiliário externo era retirado e guardado.
      Uma elevação de cerca de três metros acima do solo foi construída e sobre ela, num patamar de mármore foi criado em “madeira de lei”, um prédio sóbrio como um palácio. Ele exibia seu salão quadrado com quatro enormes portas que se abriam aos “Pontos Cardeais”. O acesso se dava pelas quatro amplas escadas de pedras com seus largos degraus. As paredes eram todas em vidro “bico de jaca”, emoldurados em madeira num quadriculado pequeno e elegante que lhe dava suntuosidade! Funcionavam em seu interior o Gabinete da Diretora, um pequeno Museu de História Natural e a Biblioteca. Tudo lindo e inesquecível! O acesso aos alunos era livre e inquestionável, não fora a Diretora alguém cuja sensibilidade e preparo ainda não foram superados!
     Alzira Bittencourt – nunca mais conheci alguém com tanta majestade – era a Diretora! Carismática, culta, meiga e forte era ouvida com atenção e nos transmitia o sentimento de orgulho, compromisso e vaidade por sermos parte de um projeto de grandeza. Afinal, ali estava implantado, sem que se soubesse “um campus”, construído para atender o Curso Primário (primeiro apelido que conheci do hoje vulgo “ensino fundamental”). “Ela criou dois clubes cívicos: o “Brasileiro” cujo uniforme era o mesmo azul marinho e branco que usávamos e o “Panamericano” todo branco”. É lindo”, eu pensava. Os clubes eram responsáveis pela organização das comemorações das datas importantes  e por eventos que nos interessavam criar. Os alunos escolhiam o “clube” de sua preferência, se cadastravam e participavam ativamente. No início do ano letivo era elaborada uma seleção de temas e um programa de atividades, relacionado. A organização de exposições, peças de teatro, textos literários, dramatizações,  composições musicais, saraus,etc., eram discutidos nos grupos de trabalho. Professores acompanhavam, enfatizavam pontos importantes,  sugeriam aspectos a serem abordados, nos dispunham a bibliografia do assunto a ser desenvolvido, corrigiam e se divertiam com os caminhos que a criatividade infantil tomava para surpresa de quase todos. Era um trabalho em grupo com rara dinâmica! O termo “projeto” não era popular como hoje, nem tão desgastado. O trabalho envolvente contaminava até as famílias e, dependendo da abrangência muitos pais eram convidados a contribuir com sua experiência enriquecendo o tema ou na construção de cenários, confecção de roupas, etc.  Quando da apresentação interna, votávamos nas opções que selecionadas eram consideradas vencedoras. Discursos, dramatizações, textos, danças e outras quaisquer propostas disputavam e eram apresentadas no grande palco do Pavilhão, às vezes, só para alunos e mestres, outras, para comunidade e nossas famílias.
     Eu era do Panamericano! Respeitávamos um cronograma de reuniões e de apresentação de propostas, sob a orientação de profissionais competentes das diversas áreas que convidados, nos ajudavam a dar visibilidade e a concretizar nossas idéias. Descartados os absurdos, levávamos as propostas ao conhecimento da Direção e ao escrutínio. Depois de escolhida, a participação era integral.
    As aulas de “Canto Orfeônico” alimentavam o nosso Coral com o repertório indispensável!
  Às quatorze horas era servido o leite com “ovomaltine” e biscoitos.
    Pode acreditar! Eu fui aluna da Escola Joaquim Távora! Minha primeira professora - dona Eumaia – baixinha, de cabelos louros encaracolados parecia um bichinho ligeiro, num tempo sem grades e no qual nunca ouvi falar em disciplina. Como fui alfabetizada por minha mãe, dona Eumaia me pedia para ajudar a estudar com outras crianças as “leituras” da “Cartilha”. Isso era comum lá.
- Com parceria e generosidade todos aprendem, dizia dona Alzira!
   Tínhamos aulas de Ginástica e na Recreação Dirigida, além de jogos, ensaiávamos música e danças folclóricas que eram exibidas pelos “clubes” nas datas festivas.
    Sim! Havia aulas normais e o programa estabelecido pelo governo era vencido sem “traumas”, até porque ele se “reduzia” diante das necessidades de outras intervenções que aceleravam, naturalmente, o processo ensino/aprendizagem.
   Havia visita de grupos estrangeiros e nós, apesar de crianças, nos sentíamos honrados porque percebíamos a surpresa de que eram tomados e a felicidade estampada no rosto de dona Alzira!
   Acredite! A Escola Joaquim Távora era uma Escola Pública!
 Quando formada no Magistério tive que escolher uma escola para iniciar minha carreira... Pasmem...
 A primeira escola em que trabalhei como profissional do magistério se chamava:
- Escola Franklin Távora!  
Ainda existe e fica em Santa Cruz, na época, zona rural do Rio de Janeiro!
 E aí? Você vai começar a acreditar nas minhas histórias?  Você precisa! Sei que minhas histórias parecem ficção.
E virão muitas por aí!
 Eu estou lhe apresentando A Magia da Realidade e ela está acontecendo agora – com você – preste atenção na sua vida!
É a sua Mágica História!
zeliadacostamt@gmail.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário