segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

BENÉ

                                      BENÉ

Negro, magro, seco como um charuto. Ele era feio. Não. Ele tinha  um sorriso aberto. Ele era feio. É que eu gostava tanto do Bené que eu não queria achar que ele era feio – mas era!
         Tinha uns olhos grandes e a sua voz arrastada dava sempre a impressão de que tinha bebido, mas não tinha! Ele não bebia. Você conhece gente assim?
As pernas eram compridas. Magras? Não sei. Os braços eram longos, finos, secos!
 Os olhos não eram bonitos. Eram grandes. Não havia beleza nem no formato, nem na cor, porém havia neles bondade e uma dose de ingenuidade fazendo daquele rapaz de vinte e três anos, um menino.
   Se você me pedisse para desenhar algo que significasse esperança... Eu, sem titubear, caso tivesse esta habilidade que tanto invejo, desenharia aquela figura humana.
Você... Pense agora! Dentre as pessoas que você conhece, quais... não! Qual, para ser mais fácil, qual aquela que você olha e vê - é a Esperança?
         Não confunda. Não falo daquelas que tem esperança. Esperança em alguma coisa... ganhar na loteria, ter sucesso em alguma empreitada, comprar uma casa, um carro, adquirir um bem qualquer. Conseguir se casar com o homem ou a mulher dos sonhos, ver reconhecido seu esforço em algum empreendimento, ser de verdade  amado... Não! Nada disso!
         Olha de novo. Quem você conhece que ao olhar você identifica? É. Aqui está, diante de mim, a Esperança!
         Se você acredita que a Esperança tem que ser uma mulher bonita... Ilusão!
Se você vê a Esperança na figura de um atleta... Um verdadeiro Apolo... Perdeu!
         Bené era a Esperança!
         A Esperança vista assim, de perto, incomoda, assusta. E ai? Achou alguém? Vou lhe dar umas pistas.
         A Esperança personificada é uma presença incômoda. Ela compromete sua comodidade, exige sua conivência. Mesmo que não seja sua intenção, Ela começa a se introduzir nos seus pensamentos e a reduzir seu tempo e seu espaço. Quando você percebe está comprometido “até a raiz dos cabelos” porque você não admite ser quem vai “golpeá-la de morte” e, para que Ela resista, você acaba se responsabilizando pela sua sobrevivência.
Pior é que estar diante Dela... é uma experiência inesquecível. Incômoda, mas inesquecível!
        Ali estava ele. Parado diante de mim. Um sorriso “de orelha a orelha”.
       Ah! Não posso esquecer. Bené era muito bem humorado e muito interessado nas minhas aulas, na Escola Almirante Tamandaré, no Vidigal. É isso mesmo.
       Lá no alto da Favela do Vidigal, no Rio de Janeiro.
       A escola era linda! Projeto arquitetônico de Oscar Niemayer, que é vizinho do morro.
       O prédio tem dois andares. As salas de aula ficavam no andar de cima e a administração e o refeitório no térreo. Este primeiro andar tinha a deslumbrante vista do mar. Quando era noite de lua cheia, ela saía enorme e linda de dentro das águas. Uma visão dos deuses!
Abençoado Niemayer! Fez do pátio, um altar de devoção à Natureza!
O “apelido” do Ensino Fundamental naquela época era Primeiro Grau. Sim, porque você sabe que “Reforma da Educação” aqui, é dar um nome novo para o mesmo carcomido sistema de ensino e os responsáveis(?) não se envergonham.
        Benedito estava terminando  o Primeiro Grau. Era meu aluno há dois anos. Assíduo e interessado.
        - Abriram as inscrições para gari da Limpeza Urbana!
        Seus olhos quase saltavam.
        - Vai ter concurso, professora. Vai ter prova!
        - Sim! E ai?
        - Vou me inscrever e vou passar. A senhora não acha?
        Não. Eu não achava. Diante de mim a Esperança me olhava!
        - Quando eu passar terei emprego público e um salário melhor. Minha mãe já está velha. É cozinheira há trinta anos. Seus patrões pagaram meus estudos, médicos e remédios. São muito bons, mas ela já está com idade...
Por aqueles olhos, passou uma névoa que logo se dissipou!
         - Bené, esses concursos são muito concorridos e do jeito que as pessoas estão atrás de emprego, é bem capaz de ter gente até com nível universitário concorrendo.
         - Eu sei, professora. Por isso, eu estou falando pra senhora. Ainda falta matéria pra acabar o Programa. Eu posso me inscrever agora, mas o Certificado de Conclusão do curso eu só tenho que levar quando eles chamarem. E isso vai dar tempo de eu concluir.
- Tudo bem, então.
         - Acontece que a prova é daqui a dois meses e até lá a senhora não acabou a matéria...
         - E aí...
         - Aí... pra eu passar, a senhora tem que me dar aula fora de hora...
         - Fora de hora? Que hora? Eu trabalho em outra escola de dia. Chego à tarde, correndo, pra estar aqui às seis!
         - Os patrões da minha mãe disseram que a senhora pode dar aula lá na casa deles que fica perto daqui.
         - Bené, a outra escola em que eu trabalho fica na zona rural! É longe, sabia? Oitenta quilômetros daqui! Eu estou lá, às sete da manhã.
         - Eu sei professora, mas tenho que passar e vou passar!
         Ali, na minha frente, a Esperança: cabeça, tronco e membros!
         Como resistir? Ele me venceu!Eram só dois meses.
         Dei as aulas pra Bené onde ele me havia proposto e vencemos o conteúdo necessário.
         Lembro que ele combinou comigo encontrarmos na frente do luxuoso edifício em Copacabana, na Rua Toneleros onde residiam os patrões da mãe dele e que eles eram advogados renomados.
         Bené me encaminhou à "entrada social"do prédio e ele se dirigiu à porta de serviço. Não aceitei a gentileza e rindo lhe disse:
         - Bené, por onde você vai entrar?
         - Pela porta de serviço como sempre, professora, mas a patroa da minha mãe disse pra eu conduzir a senhora à entrada social!
        Rindo o acompanhei pela entrada para os empregados, apesar de ele insistir em que eu não o fizesse!
         Na aula seguinte ele parou frente a Entrada Social e rindo falou:
         A patroa ouviu sua aula e gostou demais. Ela não está hoje em casa, mas disse que a gente entrasse por aqui... Sabe, ela me disse pra eu entrar, de agora em diante, sempre por essa entrada aqui, a Social, imagina! Ela ficou muito encantada porque a senhora não se importou de entrar pela Porta de Serviço. Agora, eu e minha mãe estamos liberados para escolher a entrada que quisermos, mas a senhora... Ela quer que entre por aqui!Ele ria surpreso e feliz!
          Vencemos o Programa para o Concurso para Funcionário da Limpeza Urbana!
        
         Bené foi aprovado!
                                 ZeliadaCosta/NM/MT/2011




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