Negro, magro, seco como
um charuto. Ele era feio. Não. Ele tinha um sorriso aberto. Ele era feio. É que eu
gostava tanto do Bené que eu não queria achar que ele era feio – mas era!
Tinha uns olhos grandes e a sua voz
arrastada dava sempre a impressão de que tinha bebido, mas não tinha! Ele não
bebia. Você conhece gente assim?
As pernas eram compridas.
Magras? Não sei. Os braços eram longos, finos, secos!
Os olhos não eram bonitos. Eram grandes. Não
havia beleza nem no formato, nem na cor, porém havia neles bondade e uma dose
de ingenuidade fazendo daquele rapaz de vinte e três anos, um menino.
Se você me pedisse para desenhar algo que
significasse esperança... Eu, sem titubear, caso tivesse esta habilidade que
tanto invejo, desenharia aquela figura humana.
Você... Pense agora! Dentre
as pessoas que você conhece, quais... não! Qual, para ser mais fácil, qual
aquela que você olha e vê - é a Esperança?
Não confunda. Não falo
daquelas que tem esperança. Esperança em alguma coisa... ganhar na loteria, ter
sucesso em alguma empreitada, comprar uma casa, um carro, adquirir um bem
qualquer. Conseguir se casar com o homem ou a mulher dos sonhos, ver
reconhecido seu esforço em algum empreendimento, ser de verdade amado... Não! Nada disso!
Olha de novo. Quem você conhece que ao olhar
você identifica? É. Aqui está, diante de mim, a Esperança!
Se você acredita que a Esperança
tem que ser uma mulher bonita... Ilusão!
Se você vê a Esperança
na figura de um atleta... Um verdadeiro Apolo... Perdeu!
Bené era a Esperança!
A Esperança vista assim, de
perto, incomoda, assusta. E ai? Achou alguém? Vou lhe dar umas pistas.
A Esperança personificada é uma presença
incômoda. Ela compromete sua comodidade, exige sua conivência. Mesmo que não
seja sua intenção, Ela começa a se introduzir nos seus pensamentos e a reduzir
seu tempo e seu espaço. Quando você percebe está comprometido “até a raiz dos
cabelos” porque você não admite ser quem vai “golpeá-la de morte” e, para que Ela
resista, você acaba se responsabilizando pela sua sobrevivência.
Pior é que estar diante
Dela... é uma experiência inesquecível. Incômoda, mas inesquecível!
Ali estava ele. Parado diante
de mim. Um sorriso “de orelha a orelha”.
Ah! Não posso esquecer. Bené
era muito bem humorado e muito interessado nas minhas aulas, na Escola
Almirante Tamandaré, no Vidigal. É isso mesmo.
Lá no alto da Favela do Vidigal, no Rio de
Janeiro.
A escola era linda! Projeto arquitetônico de Oscar Niemayer, que é
vizinho do morro.
O prédio tem dois andares. As
salas de aula ficavam no andar de cima e a administração e o refeitório no
térreo. Este primeiro andar tinha a deslumbrante vista do mar. Quando era noite
de lua cheia, ela saía enorme e linda de dentro das águas. Uma visão dos
deuses!
Abençoado Niemayer! Fez
do pátio, um altar de devoção à Natureza!
O “apelido” do Ensino
Fundamental naquela época era Primeiro Grau. Sim, porque você sabe que “Reforma
da Educação” aqui, é dar um nome novo para o mesmo carcomido sistema de ensino
e os responsáveis(?) não se envergonham.
Benedito estava terminando o Primeiro Grau. Era meu aluno há dois anos. Assíduo
e interessado.
- Abriram as inscrições para gari da
Limpeza Urbana!
Seus
olhos quase saltavam.
- Vai ter concurso, professora. Vai ter
prova!
- Sim! E ai?
- Vou me inscrever e vou passar. A
senhora não acha?
Não. Eu não achava. Diante de mim a
Esperança me olhava!
- Quando eu passar terei
emprego público e um salário melhor. Minha mãe já está velha. É cozinheira há
trinta anos. Seus patrões pagaram meus estudos, médicos e remédios. São muito
bons, mas ela já está com idade...
Por aqueles olhos, passou uma névoa que logo se dissipou!
- Bené, esses concursos são
muito concorridos e do jeito que as pessoas estão atrás de emprego, é bem capaz
de ter gente até com nível universitário concorrendo.
- Eu sei, professora. Por isso, eu estou
falando pra senhora. Ainda falta matéria pra acabar o Programa. Eu posso me
inscrever agora, mas o Certificado de Conclusão do curso eu só tenho que levar
quando eles chamarem. E isso vai dar tempo de eu concluir.
- Tudo bem, então.
-
Acontece que a prova é daqui a dois meses e até lá a senhora não acabou a
matéria...
- E aí...
- Aí... pra eu passar, a senhora tem
que me dar aula fora de hora...
- Fora de hora? Que hora? Eu trabalho em
outra escola de dia. Chego à tarde, correndo, pra estar aqui às seis!
- Os patrões da minha mãe disseram que
a senhora pode dar aula lá na casa deles que fica perto daqui.
- Bené, a outra escola em que eu trabalho
fica na zona rural! É longe, sabia? Oitenta quilômetros daqui! Eu estou lá, às
sete da manhã.
- Eu sei professora, mas tenho que
passar e vou passar!
Ali, na minha frente, a
Esperança: cabeça, tronco e membros!
Como resistir? Ele me venceu!Eram só dois
meses.
Dei as aulas pra Bené onde ele me havia proposto e vencemos o conteúdo necessário.
Lembro que ele combinou comigo encontrarmos na frente do luxuoso edifício em Copacabana, na Rua Toneleros onde residiam os patrões da mãe dele e que eles eram advogados renomados.
Bené me encaminhou à "entrada social"do prédio e ele se dirigiu à porta de serviço. Não aceitei a gentileza e rindo lhe disse:
- Bené, por onde você vai entrar?
- Pela porta de serviço como sempre, professora, mas a patroa da minha mãe disse pra eu conduzir a senhora à entrada social!
Rindo o acompanhei pela entrada para os empregados, apesar de ele insistir em que eu não o fizesse!
Na aula seguinte ele parou frente a Entrada Social e rindo falou:
A patroa ouviu sua aula e gostou demais. Ela não está hoje em casa, mas disse que a gente entrasse por aqui... Sabe, ela me disse pra eu entrar, de agora em diante, sempre por essa entrada aqui, a Social, imagina! Ela ficou muito encantada porque a senhora não se importou de entrar pela Porta de Serviço. Agora, eu e minha mãe estamos liberados para escolher a entrada que quisermos, mas a senhora... Ela quer que entre por aqui!Ele ria surpreso e feliz!
Vencemos o Programa para o Concurso para Funcionário da Limpeza Urbana!
Bené foi aprovado!
ZeliadaCosta/NM/MT/2011
ZeliadaCosta/NM/MT/2011
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