sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O PULO DO GATO

                     
                                                                                     
                                                  GATO
                               DO
       O PULO

Ela estava estirada sobre o gramado do jardim. Não tinha forças para erguer a cabeça, mas movia os olhos sem expressão.
Não há vazio maior que o olhar da solidão. Ele não pergunta, nem responde. Ele não tem esperança. É o olhar de quem desistiu.
 Eu já estive diante dele, algumas vezes, frente aos humanos - crianças e adultos - mas agora estava surpresa. Ali, inerte aos meus pés, uma cadela no meu jardim. Você deve estar pensando:
- Ah! Lá vem ela falar de bicho!
Engana-se. Vou falar de gente. Aliás, quando falo de bichos é porque esta é pra mim a melhor forma de entender as pessoas.
Eu fiquei surpresa! Ela não estava, aparentemente, ferida. Não se movia. Parecia ter desistido. Como chegara até ali? Ofereci-lhe água, leite, carne moída. Nada. Olhava-me como hipnotizada. Só sua respiração acelerava sinalizando sua angústia. Acariciei-lhe a cabeça sob protestos de alguns que me exigiam prudência. Resolvi levá-la ao veterinário.
- É fome. Muita fome. Não sei como está viva, disse-me o doutor.
- Será que vai morrer?
- Agora não morre mais. Você vai impedir.
Aplicou-lhe umas injeções, receitou alguns remédios depois de examiná-la e me dizer com um sorriso:
- Ela está grávida de, acredito, oito filhotes!
- Compre estes remédios e faça a alimentação que falei. Passo na sua casa pra vê-la.
- Tudo bem, doutor. Obrigada.
Agora Sofia, você me arranjou uma bela encrenca.
O veterinário era competente. Tinha toda razão. Era fome e a gravidez logo se exibiu.
Nasceram os oito filhotes. Cinco tiveram que ser sacrificados. A fome da mãe afetou-lhes o sistema nervoso. Dei um filhote lindo, liberado pelo médico e fiquei com um casal.
Nós tínhamos o poodle Flict, um jaboti Tim, cuja dona faleceu, o gato Xexéu que nos adotou no Natal e a coelha Tiquinha. A eles e à alegria de Sofia juntaram-se os filhotes Ferrugem e Uga-Uga.
Tim passeava pelo jardim, mas de vez em quando sumia e aparecia ao entardecer.
Tiquinha e Xexéu brincavam o dia inteiro. Corriam pelo jardim e ele até aprendeu a saltar como um coelho. A alegria era, dolorosamente, interrompida quando ele, empolgado na corrida do “pega-pega” e fugindo de Tiquinha, subia numa árvore. Aí, a brincadeira acabava. Durante algum tempo ela tentou esta escalada. Não conseguiu. Ficava sentada olhando triste para Xexéu que se exibia.
Durante um tempo evitou a brincadeira, embora Xexéu fizesse mil “gracinhas” na sua frente para provocá-la. Ela parecia dizer:
- Eu lhe ensinei a saltar como um coelho e você não me ensina a subir em árvore. Você me nega aprender “o pulo do gato”.
Zelia da Costa/NM/MT/2004.


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