segunda-feira, 28 de novembro de 2011

OS OLHOS DA TERRA


                              
Em princípio, é necessário esclarecer porque era chamado Terceiro. Tudo começou em Rondônia. Morávamos lá. Na casa havia um jardim enorme, parecia uma praça. Tínhamos alguns cães que só serão citados porque um dia vi atravessar o pátio, sem nenhum constrangimento, um sapo!
        Saiu de um canteiro de flores, contornou outro e se dirigiu para os fundos da casa, onde havia a lavanderia, acomodando-se debaixo da máquina de lavar roupa.
        Percebi que os cães não lhe “causavam espécie” e que ele até convivia, com certa intimidade, naquele ambiente. As pessoas eram ignoradas por ele, até com certo desdém.
         Com o tempo, “Bob” tornou-se tão integrado à família que alguns amigos já me perguntavam pela sua saúde.
        Ao amanhecer, ele passava sob o portão de ferro da garagem e ia para rua. Para onde? Talvez para o terreno vazio da esquina onde o mato crescia. À noite retornava com a empáfia de sempre.
        Quando nos mudamos para Mato Grosso, a fim de ficarmos próximo do filho que lá residia, os cães foram conosco. Não somos o tipo de pessoas que desprezam amigos, mas Bob ficou. Os cães eram meus, há alguns anos e Bob nascera naquela região e tinha sua vida muito independente. Eu não me atreveria!
        Um dia, Marcos, o jardineiro que nos acompanhou desde Rondônia e que conhecia a história do Bob, pediu-me que fosse ao jardim ver uma novidade. Rimos muito, diante de um sapinho todo faceiro passeando entre os meus cachorros. Imediatamente dei-lhe um nome: “Segundo”!
O que mais nos deixava intrigados era que os cães não admitiam a presença de “calangos”.  Esses pobrezinhos eram perseguidos com fúria, como intrusos e, não fosse a rapidez com que se deslocavam, deslizando com incrível habilidade e o “mimetismo” de que eram dotados,  seriam fatalmente atingidos e mortos!
        Vivemos nesta cidade até que adoeci. Pensamos em voltar a morar num grande centro por medo de que eu viesse a necessitar de atendimento de urgência. Sapezal ficava muito distante de aeroporto e a estrada até Cuiabá era péssima.
        Não quis residir novamente na minha cidade natal. Eu amo o Rio de Janeiro, porém acostumei com a simpática e carinhosa saudação da gente do interior e a tranquilidade e o silêncio destas cidades. O silêncio vicia.
        Mudamo-nos para Nova Mutum! Mais próxima de Cuiabá. Tão gostosa quanto Sapezal! Tão quente como todas as cidades do centro-oeste de Mato Grosso, por isso, à tarde, sinto necessidade de regar um pouco o jardim para refrescar as plantas e foi assim que conheci “Terceiro” - verdinho, lustroso, com pequeninas manchas escuras.
Ao me ver, surpreendeu-se. Encarou-me como intrusa e, certamente, querendo me intimidar, resolveu avolumar-se.
        Informei-o que seria perda de tempo aquele “esforço”. Eu não tenho medo de sapo. Eu tenho medo de escorpião! Eu costumo conversar com todos que estão vivos: plantas,  abelhas, maribondos e até cobras, mas com o escorpião não há diálogo!
Aconselhei Terceiro a se dirigir à varanda. Lá havia aqueles “bichinhos que gostam de luz” e eles caem...
        - Se eu fosse você, eu ia pra lá... aqui, quando eu puxar a “mangueira  de água”, ela será arrastada e você vai acabar se arriscando...
        Ele me olhou com ar inteligente e confiante. Logo depois, atravessou um canteiro e deu um pulo para subir no chão da varanda.
        Desse dia em diante, quando eu estava regando o jardim, ele aparecia. Ficava um tempo por perto, eu o saudava e  “puxava uma conversa”, ele me seguia um tempo, depois desaparecia.
        De novo os cães ignoravam sua presença.
        Com o tempo descobrimos que ele também gostava de dormir na lavanderia, mas passeava livre e com grande intimidade também pelo quintal. Hoje sei que era onde ele havia nascido. Neste caso, se aplica muito bem o termo “terra natal”.
        Um dia, meu  marido chegou irritado:
        - Esses bichos “seus” são tão abusados... eu vinha pela calçada, o Terceiro estava lá, parado. Esperei ele sair. Não saiu! Eu tive que pular o sapo! Aqui a situação se inverteu!
Rimos muito!
Havia um período de tempo em que Terceiro sumia... coisa de dois, três meses. Quando retornava era uma festa, porque ele sempre fazia uma aparição inusitada. Às vezes se escondia sob a terra e deixava só os olhos de fora, camuflados naturalmente, como se a terra tivesse olhos e nos espiasse.
O tempo passou. Meus cães se foram: as duas “Pitbull” Docinho e Afrodite e os “vira-latas” Ferrugem, Sofia, Uga-Uga e o “Poodle” Flict, com seu QI diferenciado. Restou apenas Shogun, uma criatura muito especial. Como ficou solitário e triste... resolvi comprar um cão. A veterinária trouxe dois filhotes para eu escolher. Diante dos irmãos aconchegados e assustados, últimos filhotes, não resisti e fiquei com os dois. Faltou coragem para separá-los.
Rapidamente cresceram. Com seis meses, lindos e saudáveis , os dois “Rottweiller” dominavam todo o espaço.                            Quando Terceiro fez sua primeira aparição não contava com aquelas presenças incômodas. Os dois queriam brincar com ele e nós tememos pela sua segurança . Terceiro agora era um sapo adulto e sério. Ao ver a dupla de inconsequentes, ele inchava. Ficava do tamanho de um frango e eles saltavam a sua volta, latindo e batendo as patas dianteiras no chão.  Temerosos, resolvemos impedir que Terceiro fosse para o quintal retendo-o no jardim. Não sei como ele ultrapassava os obstáculos que colocávamos para bloquear sua passagem e penetrava no quintal. Foram várias as tentativas, todas frustradas.
Diante disso, meu marido achou melhor transferi-lo para o terreno vazio próximo.
Acordamos, de novo, com os latidos dos dois cães e com Terceiro no quintal, inflado, enfrentando a ameaça.
       Shogun não participava desta bagunça e até se retirava, mas Thor e Shazan adoravam a farra!
       Diante do risco iminente, porque eles estavam enormes, já com quase um ano, meu marido convenceu-me de que era melhor levar Terceiro para mais distante. Encontramos próximo, um lago pequeno e pantanoso. Um lugar bonito e quase selvagem.
 Da caixa em que o colocamos ele me olhava. Resolvi  explicar-lhe ser a questão de “vida ou morte”. Era preciso transferi-lo para um local seguro e, assim, conseguir que vivesse em paz. Estava sendo levado a um lar bonito e bom pra ele. Sabia que ele não queria ir. Ele também sabia que eu não queria que ele fosse.
        Ele olhava triste! Eu também!
        Meu marido e eu escolhemos um “ponto” e o deixamos sair. Ele saltou e ficou um momento parado, nos olhando e tentando entender o espaço. Nós nos afastamos devagar, deixando Terceiro.
Durante um tempo temi seu retorno.
       Só tenho medo de que se aproxime de algum “humano ser”, julgando amigo e que este “ser” esmague “os olhos da terra”!
       Certamente, Terceiro crê que todos nós somos iguais!
        Zelia da Costa
                           zeliadacostamt@gmail.com


       

2 comentários:

  1. Continuo amando ouvir, e agora ler, suas histórias, querida Tia Zélia! beijos saudosos

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  2. Minha amiga querida e suas doces histórias... Amo!

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