sábado, 20 de julho de 2013

SÓ AGORA?



                                  

                        SÓ AGORA?

            Por que “crianças especiais”?
         Não há crianças especiais. Há crianças que vivem momentos trágicos, especiais, que exigem muitas vezes atenção profissional específica, algumas durante toda a existência. São as vítimas da violência em qualquer extensão ou aquelas  que perderam a mobilidade, a saúde e a  consequente oportunidade de usufruir da infância de forma natural ou tiveram ceifada a vida de pessoas queridas ou sofrem a desagregação familiar, etc. Sempre me recusei a denominar “crianças especiais” às crianças com Síndrome de Down. Sempre considerei marca do preconceito, um estigma. Para considerá-las especiais precisarei considerá-las surpreendentes, fora do natural e a Natureza expõe magnanimamente toda sua difusa criação com a mágica individualidade. É um reino original. Ninguém é igual a ninguém. Nada se repete. Só a nossa arrogância, porque nem a burrice tem o mesmo tamanho.
      Ali estavam, diante de mim, meus três alunos com Síndrome de Down. Até aquele momento eu estava feliz com o resultado de minha “audácia”. O sucesso da integração era a resposta daquelas pessoas de quatro e cinco anos ao trabalho de conscientização da importância de suas atitudes de respeito e solidariedade. Estou me referindo às outras crianças, seus colegas.
Minha situação ficou muito difícil quando se tornou pública para os pais e responsáveis dos meus alunos a minha decisão de aceitar a matrícula dos alunos ditos especiais, “diferenciados”. Foi uma debandada geral! Eles não queriam que os filhos convivessem com “aqueles retardados”. O lugar deles era na APAE!
Para mim esta atitude tinha uma repercussão devastadora porque a escola era particular. Eu tinha compromissos a cumprir: salários, impostos, taxas e taxas e taxas...
Fiquei absolutamente desesperada. Sem meu conhecimento, os pais das crianças com síndrome foram de casa em casa pedindo o retorno dos alunos. Ao saber desta atitude fiquei revoltada:
- Vocês não tinham o direito de fazer isso comigo! Deixa que façam o que bem entenderem. As crianças que ficarem terão um benefício extraordinário de adequação social, de convivência humana... Serão muito melhores que as pessoas comuns. Esses pais irresponsáveis ainda terão vergonha do que estão fazendo comigo. Esta cidade terá vergonha desta atitude preconceituosa e perversa. Não me conhecem. Eu continuo. Nem que só fique com eles!
Aos poucos minhas crianças foram retornando. Não entendiam a atitude dos pais e diziam isso na volta, ao me ver. Não aceitavam a transferência imposta e muito menos a justificativa. Não viam motivo para temer os novos alunos e criticavam os pais na minha frente de um jeito mordaz até:
- Minha mãe me levou pra aquela outra escola. Ela disse que lá não tinha criança boba, retardada. Eu disse pra ela que aqui também não tem. Eu falei pra ela entender que não tem ninguém igual, que todo mundo é diferente:
Igual às flores, as folhas... Aí, ela me trouxe de volta!
Como essa criança, outras, as vezes nem tão delicadamente, expressavam seu descontentamento com a troca. Alguns até de forma agressiva agiam contra as novas professoras e colegas pra evidenciar o repúdio.
Enfim, eles foram voltando e eu fui me certificando, há mais de vinte anos atrás, que acertei ao promover a integração das crianças com Síndrome de Down!
Eram todos, todas as minhas crianças, alunos especiais - pessoas especialmente dignas!
Ao concluir o curso, Marina provou o sabor do sucesso -  foi a “oradora” da turma.
Todos participaram da peça de teatro de final do ano. Um sucesso.
Era a coroação de uma certeza!
Eu promovi, há cerca de vinte anos na Pré Escola Pinguinho de Gente, a inserção de crianças com deficiência motora, auditiva e com Síndrome de Down.
Sou grata a todos os meus alunos pela fabulosa experiência que pluralizou meu trabalho, ratificou minhas convicções e enriqueceu minha saudade. A todos um abraço grande e carinhoso.
Agora propagam na televisão:
SÍNDROME DE DOWN NÂO É DOENÇA!
E as escolas não podem rejeitar matrícula para esses alunos sob nenhuma hipótese, sob pena de responderem a processo. Estão fazendo errado, mas pelo menos estão fazendo.
        Integração é a ordem!
        SÓ AGORA?

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