segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

ERA ASSIM

                                   ERA ASSIM

     Ao primeiro olhar não suscitava simpatia. Alta, corpo vigoroso, negra. Vestia sempre saia e blusa que lhe realçavam os seios fartos. Era uma mulher forte, de semblante fechado.
     Viveu com o marido, um mulato bonito de porte atlético, trabalhador braçal, que a deixou depois que ela engravidou de sua única filha.
     Morava numa casa de alvenaria, pé direito duplo e grandes janelas, cujos amplos cômodos eram dominados por uma atmosfera extremamente agradável, algo raro no infernal calor do Rio de Janeiro.
     Era enfermeira e se orgulhava de ter se formado na Escola de Enfermagem Ana Nery.
     Quando falava, a doçura de sua voz modulada desfazia todo e qualquer mal estar que sua figura enigmática pudesse causar. Mantinha um sorriso perene, não nos lábios, e sim nos olhos. Estava sempre pronta para um grande e maternal abraço. Eis uma das razões que pode explicar o assédio dos amigos e amigas que enchiam sua casa nos finais de semana. Afora isto, havia um forte motivo que os ligava transcendentalmente: a raça!
     Todos, negros descendentes diretos de escravos. Eram netos, bisnetos, tataranetos, suas famílias e agregados, irmanados nas crenças e rituais que praticavam com fervor, enraizados no sincretismo religioso.
     Lembro-me da gigantesca mangueira que havia no jardim da frente da casa e da cerca viva que limitava os domínios de toda residência, incluindo o inesquecível quintal! A secular árvore exibia antigas e recentes cicatrizes, feitas a machadadas, pois, se acreditava que os cortes livravam-na das doenças e, por conseguinte, a produção, o tamanho e o sabor dos frutos eram beneficiados.
     Havia um pesado balanço de madeira sustentado por um enorme galho. Eu ficava ali, distante e solitária, apesar de criança, preferia a compania dos pássaros. Eram muitos. Doíam-me as profundas cicatrizes no tronco. Meus pequenos braços nunca fecharam um abraço em torno daquela gigante, mas abracei-a durante toda a minha infância e sinto abraçá-la ainda.
dacosta

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