O SIRI
Ele
não tinha reboque. Havia uma abertura larga para o ingresso das pessoas e os bancos
longos e dispostos no sentido longitudinal criavam espaço interno útil
importante... Era um bonde diferente. Servia aos passageiros que portavam grandes
fardos, proibidos de viajar nos bondes comuns.
O
veículo, apelidado de “Siri” porque era fechado com placas de ferro, tinha
grandes janelas sendo todo pintado por fora de um vermelho vivo, o que
facilitava a sua identificação à distância.
Eu, criança,
o achava lindo! Parecia um brinquedo. Era muito utilizado pelas lavadeiras que
se esticavam nas pontas dos pés e usando os braços como alavanca jogavam sobre o chão alto do
veículo, suas enormes trouxas que empurravam e arrastavam para dentro, antes de
galgarem, segurando no balaústre, os
dois estreitos degraus que davam acesso ao interior. Livres então, arfando,
suadas pelo esforço despendido, acomodavam-se. Havia mulheres fortes e também
franzinas. Todas usavam o mesmo método de acesso. Um esforço tornado usual que
dispensava auxílio.
As
passagens nos “siris”, também apelidados “taiobas” eram quase gratuitas. Eles tinham
horário rígido de viagens que eram matinais.
Nem
sei por que me lembrei disso agora. Às vezes, me espanto com esses percursos
que faço pelo tempo, principalmente, porque eu devia ter uns cinco anos. Para
mim o “Siri” era um veículo fascinante. Acredito que marcaram fortemente, as
expressões das mulheres suadas e bufando ao peso das trouxas atadas por
lençóis, dizendo imprecações inaudíveis ou clamando a Deus por forças para
erguer seus fardos, que imprimiram esse registro na menina curiosa e atenta.
Observo
as crianças hoje com dois e três anos manipularem com admirável habilidade computadores para acessar desenhos ou
joguinhos. Certamente, um dia rirão destas máquinas que se tornarão obsoletas,
pois, os cientistas já falam em teletransporte e outros fantásticos meios quase
subliminares tecnológicos.
As
máquinas de lavar roupa fizeram desaparecer as lavadeiras e suas imensas
trouxas.
O
Siri desapareceu. Assim como os outros bondes e junto com eles os trilhos de
aço que cortavam a cidade do Rio de Janeiro e que cravavam no asfalto um
desenho prata, forte e surreal.
As
profissões de motorneiro e condutor que faziam os bondes funcionarem foram
extintas. Como eram operadores públicos foram transferidos para os museus, bibliotecas,
teatros, órgãos geridos pelos governos e se tornaram vigias, guias, etc.
As
lavadeiras passaram a trabalhar como domésticas.
E
eu?
Eu
me tornei, cada vez mais, uma passageira do tempo atenta à célere paisagem.
Zelia da Costa/NM/MT
Nenhum comentário:
Postar um comentário