quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

O SIRI

                             
                                                O SIRI

Ele não tinha reboque. Havia uma abertura larga para o ingresso das pessoas e os bancos longos e dispostos no sentido longitudinal criavam espaço interno útil importante... Era um bonde diferente. Servia aos passageiros que portavam grandes fardos, proibidos de viajar nos bondes comuns.
O veículo, apelidado de “Siri” porque era fechado com placas de ferro, tinha grandes janelas sendo todo pintado por fora de um vermelho vivo, o que facilitava a sua identificação à distância.
Eu, criança,  o achava lindo! Parecia um brinquedo. Era muito utilizado pelas lavadeiras que se esticavam nas pontas dos pés e usando os braços  como alavanca jogavam sobre o chão alto do veículo, suas enormes trouxas que empurravam e arrastavam para dentro, antes de galgarem, segurando no balaústre,  os dois estreitos degraus que davam acesso ao interior. Livres então, arfando, suadas pelo esforço despendido, acomodavam-se. Havia mulheres fortes e também franzinas. Todas usavam o mesmo método de acesso. Um esforço tornado usual que dispensava auxílio.
As passagens nos “siris”, também apelidados “taiobas” eram quase gratuitas. Eles tinham horário rígido de viagens que eram matinais.
Nem sei por que me lembrei disso agora. Às vezes, me espanto com esses percursos que faço pelo tempo, principalmente, porque eu devia ter uns cinco anos. Para mim o “Siri” era um veículo fascinante. Acredito que marcaram fortemente, as expressões das mulheres suadas e bufando ao peso das trouxas atadas por lençóis, dizendo imprecações inaudíveis ou clamando a Deus por forças para erguer seus fardos, que imprimiram esse registro na menina curiosa e atenta.
Observo as crianças hoje com dois e três anos manipularem com admirável habilidade  computadores para acessar desenhos ou joguinhos. Certamente, um dia rirão destas máquinas que se tornarão obsoletas, pois, os cientistas já falam em teletransporte e outros fantásticos meios quase subliminares tecnológicos.
As máquinas de lavar roupa fizeram desaparecer as lavadeiras e suas imensas trouxas.
O Siri desapareceu. Assim como os outros bondes e junto com eles os trilhos de aço que cortavam a cidade do Rio de Janeiro e que cravavam no asfalto um desenho prata, forte e surreal.
As profissões de motorneiro e condutor que faziam os bondes funcionarem foram extintas. Como eram operadores públicos foram transferidos para os museus, bibliotecas, teatros, órgãos geridos pelos governos e se tornaram vigias, guias, etc.
As lavadeiras passaram a trabalhar como domésticas.
E eu?
Eu me tornei, cada vez mais, uma passageira do tempo atenta à célere paisagem.
Zelia da Costa/NM/MT

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