quarta-feira, 21 de março de 2012

MINHAS REVERÊNCIAS, ALTEZA!


                             MINHAS REVERÊNCIAS, ALTEZA!

Com certeza, você também conhece aquelas pessoas que, faça o calor que fizer, aparentam sempre o frescor de quem acabou de sair de um delicioso banho.
Sempre que ouço falar em reis, príncipes e princesas, lembro-me de Sibele.
Nós éramos crianças, alunas daquela escola de que já falei neste blog no texto "A Magia da Realidade", a paradisíaca Escola Joaquim Távora.
Quando soava o sinal para o recreio e eu me via livre no jardim, corria para o campo e reunia logo um grupo cuja sintonia o tornava coeso. Lembro-me de começarmos com calmas brincadeiras de roda e Sibele participava da "Ciranda, cirandinha", "Roseira"...  Se as canções ganhavam aceleração, e nós nos entusiasmávamos, a roda começava a se desintegrar. Sibele, então, se afastava. Cansadas e tontas de tanto girar, riscávamos o chão para disputar a "Amarelinha" ou o "Caracol". Depois de um tempo, entendiadas, alguém sugeria:
- Vamos brincar de "Pique"?
Logo começava a discussão para decidir "quem seria o primeiro  a correr atrás", o perseguidor. Acontecia, então, o sorteio.
E Sibele?
Sibele se mantinha sempre sentada no banco de pedra, acompanhando nossas  estrepolias. Rindo, se divertia ao seu modo. Quando havia alguma dúvida quanto a lisura dos jogos ou brincadeiras de contato, quando os ânimos se exaltavam, corríamos até ela para os esclarecimentos necessários e definições que o momento exigia.
Serenamente, Sibele impôs sua conduta de mediadora e pacificadora de nossos ânimos exaltados e vozes alteradas. Não havia diferença de idades. Havia sim, e eu já percebia, uma enorme distância entre o mundo em que eu me inseria e aquele em que Sibele transitava com altivez e brandura. Com um sorriso medido, gestos suaves e voz doce, ela apaziguava os ânimos e reordenava as brincadeiras.
Quando era dado o aviso de término do recreio... eu tinha que ir correndo  ao banheiro, porque, para não perder tempo, deixara o xixi para o fim. Molhar as mão para amansar os cabelos desgrenhados, colocar a blusa para dentro da saia, a saia na cintura, o cinto no lugar e passar um papel úmido sobre o verniz empoeirado dos sapatos era um ritual a ser cumprido, diariamente, por não ser permitido exibir aquele aspecto moleque na sala de aula.
Sibele nunca entrava nesta horda que disputava vaga para se arrumar. Quando chegava a hora da saída, apesar do calor escaldante do Rio de Janeiro, que o ventilador  da classe não dava conta de amenizar, ela era capaz de guardar o frescor e o perfume de um banho, quem sabe, talvez, tomado na véspera, já que as aulas começavam às sete horas da matina.
Meus filhos costumam rir de mim quando digo:

- Ninguém é “velho”... o que não foi novo!


Sempre que vejo uma criança ranheta, rabugenta, mal humorada ou simpática, risonha, conciliadora ou atenta percebo que haja o que houver, desande ou não a vida, seja que atropelos venha a enfrentar, se chegar até a velhice, guardará as mesmas características infantis de personalidade. Devo esta observação à Sibele.
Eu trabalhei na Secretaria de Educação/RJ. Um dia precisei de uma informação urgente. Telefonei para o setor que detinha os dados e ficava no andar acima do meu. A comunicação não se fazia. Linha ocupada, intermitente. Aflita, resolvi subir. Prédio antigo: dois lances de escada, cujos degraus mediam o dobro da altura dos atuais. Cheguei bufando lá em cima. Para minha "satisfação" vi que o fone estava fora do gancho. Tradução para você, que não conheceu Grahan Bell com a minha intimidade: algum(a) safado(a) não queria mais atender às ligações e bloqueou a comunicação. E olha que era um telefone para atender ao serviço público!
Certamente, hoje ninguém faz mais isto! Rsrsrs!
Lembrei-me, então, que queria fazer xixi. Tinha subido as escadas correndo. Estava desgrenhada, suada, irritada e revoltada com a “visão” do telefone – um verdadeiro achincalhe. A sala estava cheia. As pessoas se comprimiam no balcão, atendido por alguém que não demorou a mostrar as garras e os dentes. Meu caso não era o mesmo deles. Eu precisava falar com o chefe do setor, lacrado numa sala, fora do meu alcance.
Bem. Vejamos:
- Xixi, cansaço, suor, irritação e uma vontade enorme de chutar o balde.
Foi quando senti aquele perfume suave de sabonete antigo.  Ela tinha a mesma altura que eu. Parava aí a semelhança. Mantivera os mesmos cabelos longos, presos num grosso e liso rabo de cavalo. Guardava o mesmo sorriso afável. Não usava maquiagem. Com a doçura que atravessou alguns anos, ela se aproximou da quase tresloucada funcionária e disse algo que não consegui ouvir. Foi ouvida e, imediatamente, atendida.
Pasma, não tive coragem de me apresentar. Não valia a pena. Quebraria o encanto. Eu tinha pressa e ela já estava no elevador.
Quando passou por mim, quase cometi uma reverência a Sua Majestade Sereníssima Sibele, Primeira e Única.
Conheci durante a vida muitas pessoas - crianças e adultas - com este mesmo perfil. Elas desfilaram diante de mim sua dignidade majestática.
Lembro-me de um fato extremamente curioso e comentado à exaustão na época.
Era costume atores e atrizes de sucesso no cinema serem recebidos pela Rainha da Inglaterra, anualmente, para um jantar de gala oferecido por ela. Fotografias e reportagens eram exibidas à exaustão!
Sempre reproduziam nos cinemas e na televisão o momento em que perfilados e ostentando uma "elegância",  nem sempre recomendável para o momento, diretores, atores e atrizes, lado a lado, com o melhor de seus sorrisos, iam dobrando os joelhos para reverenciar, num cumprimento clássico, Sua Majestade Elizabeth II.
Para surpresa de todos e o ranger de dentes de alguns, quando a rainha chegou à frente da atriz Audrey Hepburn impediu que ela a reverenciasse, dizendo em alto e bom som:
- Uma Rainha não dobra os joelhos diante de outra! Estendeu-lhe a mão. Sorriu e seguiu.
- Ninguém é velho... o que não foi novo!
À Sibele, onde quer que esteja, minha humilde reverência.

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