domingo, 11 de outubro de 2020

                            UMA DOCE AVENTURA!

             Quando chegamos à escola havia um movimento inusitado... As crianças estavam sendo solicitadas para que entrassem com urgência nas salas de aula!

           Era uma situação incomum, pois as turmas formavam no pátio e só depois de cantar o Hino Nacional, durante o  "hastear" da Bandeira Brasileira é que se dirigiam "em forma"às salas de aula. (Engraçado, né? Hoje poucos sabem o que significa "hastear"). Era parte da formação da cidadania, a disciplina, naturalmente exortada. Havia até uma espécie de competição entre os professores que queriam exibir, com orgulho, a turma mais organizada e rápida neste conceito.

         - Indaguei, aflita, à dona Maria, qual a razão para tanta pressa!

         - Óia pra cima, fia... Ali, debaixo daquele pedaço de teiado...  Óia o que elas tão aprontando... Oia, as abeias! Oia só a quantidade!  É que elas ainda tão se ajuntando naquele lugá...  Tem que deixá elas quetas, proque se arguma criança dessa fizé a gracinha de impricá com o enxami...   Num vai tê pronde corrê...  Elas tão procurando lugá pra i...  Si deixá elas queta...  Elas vão imbora, sem incomodá, mas...sabe como é criança... A gente tá aqui enxotando eles pra drento, antes que aconteça a disgraça... 

          Olhei para o local que ela apontava... Debaixo do beiral das telhas havia uma espécie de mancha volumosa na parede que se movia de maneira assustadora, indo e vindo, em voos curtos e que zunia  ameaçadoramente!

       - O que se pode fazer? Perguntei ansiosa!...

       - Nada! 

       - Agora, é botá todo mundo pra drentu e esperá elas encontrá lugá pra i...

       - E quanto tempo leva isso?

       - Só Deus sabe! Vamu botá tudo pra drentru e vê si elas vão simbora logo, porque elas só vão saí quando acharem pousada...                  

        Aí, se ninguém incomodá... Elas vão em paz!

        Seu Inacinho, aquele motorista de táxi que nos conduzia à escola e que se tornou uma espécie de protetor, ouviu a conversa:

       - Olha, isto é perigoso porque se algum guri desses fizer a gracinha de jogar pedra ou enxotar de alguma forma...  Elas reagem todas ao mesmo tempo, atacam e não vai ter  jeito de se livrar...

      - Gente! O que vamos fazer?

      Olha, disse "seu"Inacinho, eu conheço um velho apicultor... Ele é bom nisso! Vou ver se trago ele até aqui pra ajudar a gente!Isso, se eu conseguir achar... Não vejo ele há muito...

        E concluindo...

      - Bem, agora a solução é "segurar a garotada" pra não haver consequência grave! Certo? 

      - Vamos esperar notícias, seu Inacinho!... Acha "nosso salvador" antes de algum transtorno  perverso...                 Vai com Deus! Obrigada pela boa vontade de sempre!

       Só dia seguinte, "seu Inacinho"chegou com nosso "salvador", um velho simpático e de voz doce que "examinou" o enxame e declarou:

       - Gente! Que beleza! Há muito não vejo um enxame desse tamanho! São as chamadas " européias". Isso é uma maravilha, uma dádiva da Natureza! Só, que eu não tenho mais "pernas"pra subir em escada e não posso tirar elas de lá! Sabe... A idade vai chegando...

       - O senhor conhece alguém que faça isso?

       - Xiiii!... Aqui na região, a senhora num vai encontrar!

       - E o que é que a gente faz, meu Deus? 

       - Olha, professora, eu vou tentar...Mas, acho quase impossível! O povo ignorante põe fogo nos enxames que se abrigam no mato! Tudo estúpido!Ninguém se interessa por esses bichinhos mais! Vou fazer o que puder...

         Bem! A sorte estava lançada!  

         Súbito, uma criança sugeriu por fogo num pano e enxotar as abelhas com a fumaça... Era uma das reações usadas!

        Respondi-lhe que isto era um crime, não uma solução!

        Estava  na minha casa, quando me ocorreu a ideia de telefonar para a Secretaria de Educação  e tentar alguma "saída". E assim o fiz. Depois de explicar a razão à funcionária atendente, fui informada, sob certo tom de ironia na sua voz, de que o lugar indicado para a provável solução seria a Secretaria de Agricultura, o órgão a quem caberia a função de resolver esse tipo incomum de problema.

         Não insisti e resolvi apelar para a Secretaria apontada.

         Bem, esta outra repartição informou que "em sendo o problema ocorrido nas dependências de uma escola", a solução era de responsabilidade da Secretaria de Educação.

         Diante do jogo de "empurra"senti que a competência não cabia a ninguém, mas a incompetência tinha "dono"...

         Agora, era uma questão de honra e eu estava disposta a resolver "esta parada"!

        Liguei para Brasília! Pode crer!Liguei!

        Ministério da Agricultura! Onde?

       - Direto: Gabinete do Ministro!

       Fui atendida por uma simpática e paciente senhora:

       - Por favor, gostaria de falar com o Ministro!

       - Posso saber o nome de quem fala e o assunto a ser tratado?

       - Sim, claro! Disse-lhe meu nome completo e de onde ligava.

        - Por favor, pode adiantar o assunto?

        - Claro!

        E comecei a narrar a aventura que, até ali, se desenhava como desventura e terminei assim:

        - Será que nem o Ministro da Agricultura conhece, nesse país, um apicultor que possa recolher o enxame que se instalou na parede da minha escola? Quero ensinar minhas crianças a importância das abelhas na reprodução das espécies vegetais e consequências benéficas para sobrevivência  humana!  Quero que elas observem a sociedade que elas desenvolveram... A importância da cera por elas produzida e o mel e seu insubstituível valor natural e saudável... Quero aprender a lidar com as abelhas e começar um trabalho de apicultura na escola... Sei que é possível e vou fazer!

       - Ela me interrompeu!

       - Liga para mim, daqui a uma hora, Professora!Não deixa de ligar... Daqui a uma hora, certo?

       - Certo! Com certeza!Acredite!

         Será que era verdade? Aquela senhora parecia ter, realmente, se interessado... Será que me atenderia de novo, de verdade?

          Hummm! Agora "uma hora"parecia uma eternidade!

         Pronto! Chegou a hora!Tornei a ligar!E não é que a senhorinha me aguardava...

          - Alô! Ah! Que bom!A jovem Professora Zelia! Anote o nome e local. Você vai telefonar para este número e falar com esse senhor! Ele é Professor na Escola Rural do Rio de Janeiro e Professor Orientador do Projeto  Apicultura que lá acontece. Já contatei ele, que se pôs a sua disposição e irá providenciar o recolher do enxame e instruir sobre os cuidados e a cultura das abelhas. Isso é possível, sim!Ele vai orientar e acompanhar seu trabalho! Por favor, nos mantenha informados quanto ao andamento desse seu projeto lindo!

         Agradeci, quase chorando... Ela também estava comovida!

          - Eu estava em êxtase! Ninguém acreditaria no que aconteceu! Nem eu! Ria sozinha da minha "maluquice". Afinal, fora audácia ou desespero? Ah! Importa é que o resultado foi positivo!

            Neste mesmo dia, fui surpreendida pelo amigo de seu Inacinho, o velho apicultor, "seu Galdino"que nos presenteou, com uma linda caixa de madeira - peroba rosa - feita por ele com carinho e destinada à apicultura a ser introduzida como  inusitada atividade na Escola Franklin Távora. A caixa era para "abrigar" a colmeia nos domínios do quintal da escola. Uma peça produzida com amor e arte, um produto  de rara qualidade. Uma joia - como as abelhas!

Zelia da Costa/Nova Lima/MG/11/10/2020/17:17


   

 

 

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