segunda-feira, 24 de agosto de 2020

                          TODO CAMINHO TEM COR
        
        A turma era de Alunos do Curso  Supletivo do Estado do Rio de Janeiro! 

       Morro do Vidigal!

       Trinta e seis alunos.

Quanto à faixa etária atendida naquele grupo de Fase IV, se limitava entre o mais jovem aluno que tinha dezesseis anos, ao mais velho, quase setenta. 

         A escola ficava no alto do Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro. O grupo seria atendido no período das dezenove horas até às vinte e duas horas. A arquitetura do prédio da escola obedecia ao projeto criado pelo notável Oscar Niemayer que residia  e trabalhava, ali bem próximo, na mansão/escritório exibidos no alto do penhasco, frente ao mar.
           O prédio da escola Almirante Tamandaré era amplo e majestoso, com salas confortáveis, arejadas e bem iluminadas. Havia um largo pátio no andar térreo que servia de refeitório para as crianças do Ensino Fundamental  e, que para o Supletivo, funcionava como um espaço confortável, nos permitindo  observar sem risco, as belíssimas noites de Lua que nos seduziam ao exibirem o cintilar das ondas e o iluminar das explosões de espumas que coroavam um litoral invejável.
         O cheiro da maresia era um bálsamo, como promessa do encanto.
         Eu estava ansiosa por conhecer minha turma. 

        Agora, ali, diante deles, percebia uma "estranheza", um indisfarçável comportamento que sinalizava certa decepção e logo identifiquei a causa - eu era também professora de crianças e eles temiam ser tratados como tal!
         Todos trabalhavam o dia inteiro. Chegavam exaustos e muitos vinham direto para a escola. Assim, resolvi que antes de subirmos pela rampa para a sala de aula, ficaríamos alguns minutos, sentados em silêncio, olhando a paisagem reconfortante. Eles aceitaram passar por esta experiência que buscava o conforto de um tempo para relaxar das tensões impostas pelo dia exaustivo.
           Na primeira semana, pedi que descrevessem os caminhos que percorriam durante o dia. Alguns "arriscaram" frases, timidamente. Outros, negaram participação. Comecei então a aula, aplicando o conteúdo programático árido, exigido para a série. 

         Entreguei, no dia seguinte, no início da aula, uma folha em branco e uma caixa de lápis de cor para cada um e lhes pedi que usassem a tonalidade predominante, observada durante o dia no caminho que cada um percorreu. 

       As reações não surpreenderam. 

       Sabia que haveria rejeições e já me preparara para o "revide".
          Um jovem ergueu a voz, declarando não ser criança para fazer desenhos. Outro, perguntou se eu sabia estar num "curso"frequentado por adultos. A reação negativa foi geral.
         Olhando-os, sem surpresa, comecei:
         - Não lhes pedi para desenhar qualquer figura. Não propus uma "experiência artística". Apenas, solicitei que usassem sobre a folha em branco, a cor predominante ou mais agradável, ou ainda, a considerada mais atraente ou até aquela rejeitada por ser de mau gosto ou agressiva aos sentidos. 

      Não pedi Arte!

     Pedi... Atenta observação... 

     Não foi um pedido pueril, atividade para crianças.  Não!        Não lamento a reação de vocês, até porque ela veio confirmar minha suspeita!
         Coloquei as folhas e as caixas de lápis de cor à disposição porque queria medir a percepção de todos para a vida, para o mundo a sua volta.Para a "leitura da existência ao seu redor.O cansaço, os compromissos, a rigidez dos horários, a exaustão "embotam" nossa sensibilidade e impedem a simples observação do mundo ao redor. Infelizmente constato que vocês estão incapacitados para "ler" o cenário em que transitam e desempenham a vida em"preto e branco"como filmes antigos.
         O touro também não vê cor! 

Ele ataca agressivo, irritado pelo movimento  que o toureiro executa com a capa para provocar sua ira. Ele é um animal incapaz de discriminar cores.Não tem escolhas!

        Ferido, covardemente, a Dor o leva ao ataque, mas a cor da capa só excita  a morbidez da plateia!
        Podemos "ser diferentes"?
        A vida pode oferecer diversos cenários, mas precisam ser observados e a acuidade exigida depende da leitura de quem seleciona! Vocês caminham para o trabalho, excitados pela tensão. Importa chegar! O "mundo" a sua volta perde o sentido e a Vida fica sem expressão.
        Dia seguinte, distribui o material, novamente. Agora sorrindo, eles coloriram e argumentavam;
       - Valeu, professora! Muito colorido nossos caminhos! Gostei!
       - E não é, que tem um prédio roxo do lado do meu trabalho?...
         É! Assim como os cenários... A vida tem difusos matizes!Eu venci!
        Não provoquei a ira e fiz deles atores  integrantes de um cenário vivo, rico em cores e confidente !
        Foi o início de outras vitórias!
        São "coloridos" até hoje! Tenho certeza!

        Eu também! 

          Zelia da Costa/Nova Lima/25/08/2020/21:43
        
         

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