domingo, 23 de agosto de 2015

A UM AMIGO INESQUECÍVEL

       A UM AMIGO INESQUECÍVEL

Nosso encontro foi assaz perturbador.
Praticamente nos confrontamos. Os dois assustados.      Passou por mim e retornou pelo corredor em direção à cozinha. Lembrei-me, então, de tê-lo visto na véspera, pousado na torneira, sugando uma gota que teimava em não cair.
Quando cheguei à cozinha ele já pousara na torneira que, bem fechada, negava-lhe a oportunidade de saciar sua sede.
Ao me ver voou na minha direção. 
Não sei por que razão não temi sua investida.
Não exibi nenhum gesto de repulsa ou temor. 
Fui até à bica e delicadamente tentei deixar uma gota d’agua retida e me afastei ficando a observar.
O reluzente e grande maribondo voou em torno da minha cabeça, agradecido.
Era negro brilhante, porém algumas regiões do corpo emitiam um tom vermelho bem escuro.
Delicadamente, ele pousou e após saciar a sede, recolheu a minúscula gota que levaria num voo para algum lugar. Certamente para usar na construção de sua casa, pensei.
Esta amizade inesperada e curiosa durou algum tempo.
Se eu esquecia de manter a torneira pronta para sua utilização, ele percorria as dependências da casa a minha procura e voava sob minha cabeça executando um arabesco aéreo que eu traduzia rápido e aflita, correndo à cozinha e me desculpando no caminho pela distração.
 Ele fazia várias viagens. Saía pela janela da área por onde entrava e que eu nunca mais fechara.
Quando não me via, voava pelos cômodos da casa a minha procura e ao me encontrar executava um desenho aéreo a meu redor e eu, erguendo-me, caso estivesse sentada ou deitada, agradecia a saudação cumprimentando-o em voz alta e rindo da alienada situação.
Não raras vezes, voava diante de mim, tão próximo que eu ouvia o zunir das asas. Eu também exibia movimentos suaves falando, rindo, saudando a irresistível, enigmática e querida presença.
Ficamos amigos. Eu e o maribondo. Nosso convívio durou algum tempo.
Um dia ele parou de vir.
Continuei deixando a torneira pronta.
Ele não veio mais. Fiquei triste. Muito triste.
Sua curta existência foi para mim uma experiência mágica, rara, inusitada, inesquecível.
Aprendi com ele que o tempo é insignificante diante da grandeza dos sentidos e nada, nada é improvável, tudo pode ser comunicado, intensamente vivido e compartilhado neste fantástico e imprevisível universo das emoções.

Zelia da Costa/NM/MT/23/08/2015/13h42min
zeliadacostamt@gmail.com

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