Ali estava
ela. Pousara no vidro da janela da porta do lado de fora e era - angústia e
aflição. Ao me aproximar, senti seu terror. Estava sem forças. Tinha uma das
asas ferida. Parte decepada por algum ataque de pássaros, de insetos, de
répteis ou resultante de um voo mal sucedido. Olhando-a, bem de perto, percebi
sua exaustão.
- Pode ficar
tranquila, ninguém lhe fará mal.
- Essa
borboleta está machucada. É melhor tirá-la daí. Vou colocá-la numa árvore do
quintal.
Falou meu
marido, já preocupado com meu envolvimento emocional.
- Não, de
jeito nenhum. Se ela quisesse isso, não teria pousado no vidro. Aqui, não sobem
as formigas. Olha como é linda! Ela tem um desenho original e cores diferentes.
Olha só suas asas! Elas são picotadas com um acabamento refinado. Faz uma foto,
por favor!
Ele a fez.
- Talvez seja Mariposa.
- Isso não a
faz menos linda. Estou triste porque se ela veio pra cá é capaz de morrer
durante a noite. Amanhã, quando se abrir esta porta tem que olhar o chão com
cuidado. Ela pode ter caído, sem forças.
Fiquei ali
observando um tempo. Sabendo que ela me olhava, ouvia e gravava minha voz e
ainda me registrava no seu sensível olfato, resolvi lhe falar:
- É, não deve
ser fácil a vida da Borboleta nos dias de hoje. Principalmente aqui, em Mato
Grosso, com esses idiotas incendiando as florestas e ainda tendo de escapar das
pulverizações de defensivos. Não sei como sua asa foi acidentada, porém fica tranquila
porque nenhum de nós lhe causará dano. Você é linda demais, sabia?! Está entre
amigos, Estela. Estou comovida com sua beleza e por ter a sorte de conhecê-la.
Já, já a noite vai alta. Boa noite. Boa sorte. Dorme com Deus.
Isto
aconteceu numa sexta-feira.
No dia seguinte, corri até a cozinha e a porta
já estava aberta.
- Quem abriu
esta porta? Alguém viu Estela, uma borboleta caída no chão?
- Eu abri.
Sabia que você ia vir correndo. Sua borboleta foi embora.
- Jura que
não está me enganando? Ela morreu?
- Se morreu
foi lá fora, no jardim, no quintal... Ou morreu em outro lugar.
- Pelo menos
ficamos com sua foto. Foi bom não ter morrido aqui, não é?
- Eu sei.
Foi ótimo. Ia ser uma tragédia.
Disse-me ele sorrindo e sacudindo a cabeça.
Era manhã de
domingo quando ouvi meu marido me chamar:
- Corre! Você
não imagina quem está na área de serviço! Vai lá ver!
Quando a vi pousada na parede com as asas
abertas fiquei tão feliz que não me contive:
- Que bom, Estela! Pensei que você tivesse morrido.
Instintivamente,
afaguei-lhe o dorso com as unhas deitadas. Ela deu uma estremecida, talvez
movida pela surpresa, mas não rejeitou o carinho. Repeti o afago, várias vezes,
falando da minha alegria e emoção. Sabia que ela me reconhecia. Identificara
voz, gestos e aroma. Eu era a sua amiga.
Ali, ficamos
em comunhão.
Li, esta
semana, um artigo sobre a preocupação de biólogos internacionais com a extinção
de uma espécie de borboleta que vive nas florestas mexicanas e que tem sua
origem há 70 milhões de anos. É remanescente. Conviveu com os Dinossauros. Ela
está sendo dizimada pelo uso indiscriminado de agrotóxicos.
Quem sabe
minha Estela, a Borboleta das Florestas Brasileiras, também não pertença a uma casta
preciosa, pois, suas asas tem a nobreza de um manto real?
Quem sabe se ainda alguém se importará?
Zelia
da Costa/NM/MT/31/10/2013
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