GATO
DO
O PULO
Ela estava estirada sobre o
gramado do jardim. Não tinha forças para erguer a cabeça, mas movia os olhos
sem expressão.
Não há vazio maior que o olhar
da solidão. Ele não pergunta, nem responde. Ele não tem esperança. É o olhar de
quem desistiu.
Eu já estive diante dele, algumas vezes,
frente aos humanos - crianças e adultos - mas agora estava surpresa. Ali,
inerte aos meus pés, uma cadela no meu jardim. Você deve estar pensando:
- Ah! Lá vem ela falar de bicho!
Engana-se. Vou falar de gente.
Aliás, quando falo de bichos é porque esta é pra mim a melhor forma de entender
as pessoas.
Eu fiquei surpresa! Ela não
estava, aparentemente, ferida. Não se movia. Parecia ter desistido. Como chegara
até ali? Ofereci-lhe água, leite, carne moída. Nada. Olhava-me como
hipnotizada. Só sua respiração acelerava sinalizando sua angústia. Acariciei-lhe
a cabeça sob protestos de alguns que me exigiam prudência. Resolvi levá-la ao
veterinário.
- É fome. Muita fome. Não sei
como está viva, disse-me o doutor.
- Será que vai morrer?
- Agora não morre mais. Você vai
impedir.
Aplicou-lhe umas injeções,
receitou alguns remédios depois de examiná-la e me dizer com um sorriso:
- Ela está grávida de, acredito,
oito filhotes!
- Compre estes remédios e faça a
alimentação que falei. Passo na sua casa pra vê-la.
- Tudo bem, doutor. Obrigada.
Agora Sofia, você me arranjou
uma bela encrenca.
O veterinário era competente. Tinha
toda razão. Era fome e a gravidez logo se exibiu.
Nasceram os oito filhotes. Cinco
tiveram que ser sacrificados. A fome da mãe afetou-lhes o sistema nervoso. Dei
um filhote lindo, liberado pelo médico e fiquei com um casal.
Nós tínhamos o poodle Flict, um
jaboti Tim, cuja dona faleceu, o gato Xexéu que nos adotou no Natal e a coelha
Tiquinha. A eles e à alegria de Sofia juntaram-se os filhotes Ferrugem e
Uga-Uga.
Tim passeava pelo jardim, mas de
vez em quando sumia e aparecia ao entardecer.
Tiquinha e Xexéu brincavam o dia
inteiro. Corriam pelo jardim e ele até aprendeu a saltar como um coelho. A
alegria era, dolorosamente, interrompida quando ele, empolgado na corrida do
“pega-pega” e fugindo de Tiquinha, subia numa árvore. Aí, a brincadeira
acabava. Durante algum tempo ela tentou esta escalada. Não conseguiu. Ficava
sentada olhando triste para Xexéu que se exibia.
Durante um tempo evitou a
brincadeira, embora Xexéu fizesse mil “gracinhas” na sua frente para provocá-la.
Ela parecia dizer:
- Eu lhe ensinei a saltar como
um coelho e você não me ensina a subir em árvore. Você me nega aprender “o
pulo do gato”.
Zelia da Costa/NM/MT/2004.
Nenhum comentário:
Postar um comentário