SÓ AGORA?
Por
que “crianças especiais”?
Não há crianças especiais. Há crianças
que vivem momentos trágicos, especiais, que exigem muitas vezes atenção
profissional específica, algumas durante toda a existência. São as vítimas da
violência em qualquer extensão ou aquelas que perderam a mobilidade, a saúde e a consequente oportunidade de usufruir da
infância de forma natural ou tiveram ceifada a vida de pessoas queridas ou
sofrem a desagregação familiar, etc. Sempre me recusei a denominar “crianças
especiais” às crianças com Síndrome de Down. Sempre considerei marca do
preconceito, um estigma. Para considerá-las especiais precisarei considerá-las
surpreendentes, fora do natural e a Natureza expõe magnanimamente toda sua
difusa criação com a mágica individualidade. É um reino original. Ninguém é
igual a ninguém. Nada se repete. Só a nossa arrogância, porque nem a burrice
tem o mesmo tamanho.
Ali
estavam, diante de mim, meus três alunos com Síndrome de Down. Até aquele
momento eu estava feliz com o resultado de minha “audácia”. O sucesso da
integração era a resposta daquelas pessoas de quatro e cinco anos ao trabalho
de conscientização da importância de suas atitudes de respeito e solidariedade.
Estou me referindo às outras crianças, seus colegas.
Minha
situação ficou muito difícil quando se tornou pública para os pais e
responsáveis dos meus alunos a minha decisão de aceitar a matrícula dos alunos
ditos especiais, “diferenciados”. Foi
uma debandada geral! Eles não queriam que os filhos convivessem com “aqueles
retardados”. O lugar deles era na APAE!
Para mim
esta atitude tinha uma repercussão devastadora porque a escola era particular. Eu tinha
compromissos a cumprir: salários, impostos, taxas e taxas e taxas...
Fiquei
absolutamente desesperada. Sem meu conhecimento, os pais das crianças com
síndrome foram de casa em casa pedindo o retorno dos alunos. Ao saber desta
atitude fiquei revoltada:
- Vocês não
tinham o direito de fazer isso comigo! Deixa que façam o que bem entenderem. As
crianças que ficarem terão um benefício extraordinário de adequação social, de
convivência humana... Serão muito melhores que as pessoas comuns. Esses pais
irresponsáveis ainda terão vergonha do que estão fazendo comigo. Esta cidade
terá vergonha desta atitude preconceituosa e perversa. Não me conhecem. Eu
continuo. Nem que só fique com eles!
Aos poucos
minhas crianças foram retornando. Não entendiam a atitude dos pais e diziam
isso na volta, ao me ver. Não aceitavam a transferência imposta e muito menos a
justificativa. Não viam motivo para temer os novos alunos e criticavam os pais
na minha frente de um jeito mordaz até:
- Minha mãe
me levou pra aquela outra escola. Ela disse que lá não tinha criança boba, retardada. Eu disse pra ela que aqui
também não tem. Eu falei pra ela entender que não tem ninguém igual, que todo
mundo é diferente:
Igual às flores, as folhas... Aí,
ela me trouxe de volta!
Como essa
criança, outras, as vezes nem tão delicadamente, expressavam seu
descontentamento com a troca. Alguns até de forma agressiva agiam contra as
novas professoras e colegas pra evidenciar o repúdio.
Enfim, eles
foram voltando e eu fui me certificando, há mais de vinte anos atrás, que
acertei ao promover a integração das crianças com Síndrome de Down!
Eram todos,
todas as minhas crianças, alunos
especiais - pessoas especialmente dignas!
Ao concluir
o curso, Marina provou o sabor do sucesso - foi a “oradora” da turma.
Todos
participaram da peça de teatro de final do ano. Um sucesso.
Era a coroação de uma certeza!
Eu promovi,
há cerca de vinte anos na Pré Escola Pinguinho de Gente, a inserção de crianças
com deficiência motora, auditiva e com Síndrome de Down.
Sou grata a
todos os meus alunos pela fabulosa experiência que pluralizou meu trabalho,
ratificou minhas convicções e enriqueceu minha saudade. A todos um abraço
grande e carinhoso.
Agora
propagam na televisão:
SÍNDROME DE
DOWN NÂO É DOENÇA!
E as
escolas não podem rejeitar matrícula para esses alunos sob nenhuma hipótese,
sob pena de responderem a processo. Estão fazendo errado, mas pelo menos estão
fazendo.
Integração é a ordem!
SÓ AGORA?
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