NA VIDA COMO NA
ARTE
Sempre senti um grande prazer, viva emoção mesmo, frente a uma obra
de arte. Escultores, pintores, desenhistas são alvo da minha inveja pelo dom de
se expressar registrando cenas, paisagens, figuras humanas com sensibilidade e arrojo.
Toda vida visitei Museus de Artes. Às vezes, parava por um tempo maior diante
de uma pintura observando os detalhes das linhas, do toque sutil ou vigoroso dos
pincéis, querendo descobrir mais do que talvez estivesse ali gravado, como se
minha insistência acabasse por desvendar além do estilo impresso na tela, além
da cena ou da expressão facial, além dos modos e paisagens inseridos na
estrutura do desenho, mais que a intenção do artista - sua alma. Como se
desvendado o mistério, eu pudesse alcançar sua alma num tempo pretérito, numa
viagem futura e ao tocá-la, lhe dissesse do meu encanto, da minha grata
admiração.
Loucura? Cada doido com sua mania.
À medida que fui
alimentando esta ideia, fui dilatando
meu tempo de observação. Isto me fez retornar e insistir, inúmeras vezes, na
apreciação da obra e hipnotizada, mergulhar nos traços e pinceladas até que, um
dia de repente, como num abrir e fechar de olhos, se materializou o ritmo
impresso pelo pintor na excitação de seus contornos, a gama de sua palheta sob
o efeito, agora visível, de sombras e luzes iridiadas de sua sensibilidade. Era como um milagre! Ali, diante de mim, as cores se destacavam inebriantes,
na sequência dos tons em que foram aplicadas. A súbita compreensão do efeito
que o artista queria imprimir materializou-se transcendental.
Denso era o silêncio. Entorpecida, temerosa de perder a oportunidade,
concentrei-me naquela viva experiência, quase em transe.
Desde esse dia nunca mais, tenho certeza, observei pinturas, desenhos,
etc., sem me envolver com o trabalho exposto. Quando “assisto” a uma escultura viajo ao seu momento de criação, ouço o
barulho de martelos, cinzéis... Penso na força dos golpes e na delicadeza que
resultou na forma que deu expressão, sutileza, tessitura e vida à pedra fria. Penso no olhar do artista, na circulação
sanguínea, no turbilhão na mente, na sua capacidade de extrair da pedra crua,
pássaros, homens, mulheres, crianças, flores,vestes, cordas e correntes que
eclodem mágicos, resultantes do encantamento ora agressivo, ora doce do autor.
Ele não vê como nós, pobres mortais, a pedra bruta. Ele sabe o que ela contém. Seu
objetivo é livrar sua escultura presa
no monólito ou na madeira ou dar vida a inertes materiais.
Havia
e ainda deve estar lá em exposição, um quadro responsável pelo meu mergulho. Um mergulho que reverte a
profundidade. Ele retrata alguns homens e mulheres sentadas num jardim
florido. Exibem a elegância da época: saias longas e fartas, armadas, punhos e
golas rendadas, botas elegantes, cabelos longos, presos ou soltos em cachos, decotes
generosos. À primeira vista é quase uma fotografia. Imagem estática. Súbito,
percebe-se que os homens de chapéus e cavanhaques mantinham altivez na postura,
porém não conseguiam se eximir do olhar atrevido para certas damas que sorriam
provocantes e, quando traços e pinceladas emergiram, veio com eles à intenção
crítica do pintor delatando um momento que, embora parecesse ingênuo,
transcendia a visão imediata. Um escândalo para a época. Quem seriam eles? A
imagem antiga, humana, real ganha dimensão inusitada e rompe o tempo. Será que perceberam ao apreciar a obra
realizada o quanto foram expostos? A subliminar revelação? Os vermelhos,
verdes, marrons, azuis, amarelos todos conspirando em claros e escuros. Contrastes
de luz e sombras nas faces e nas almas. Na vida e na arte.
Porque essa conversa agora?
Porque descobri e não nego o impacto. Sou capaz de transformar
cenários e pessoas em fantásticos painéis. Compreendi tardiamente que cores, tons,
luz e sombra podem ser extraídos do cotidiano e expostos livres, plenos de movimentos
numa sequência mágica. Basta que eu me detenha. Que me permita interromper a
velocidade, me abstenha da ansiedade e pare.Pare, não só extasiada diante do
esplendor de um cenário natural, mas frente à percepção do cotidiano, ante as
imagens que se sucedem como um turbilhão, usufruindo da arte que expõe a vida
ao decifrar as expressões, cores, contrastes e evoluções.
Cada instante, cada gesto e ação, cada emoção, tudo transcorre num
espaço e num tempo cujas proporções definem a arte de viver.
Num inquieto mergulho, descubro monólitos esculpidos; luz; sombras. Que Artista expõe a vida colorida e
surpreendente na galeria humana de obras de rara beleza, dramaticidade e humor
nos esperando, pacientemente, sentir, olhar e ver – descobrir?
Qual será a real intenção do insuperável Artista?
O que espera de nós?
Quem, o incrível desenhista, arquiteto,
pintor, escultor...
Queria embevecida lhe tocar a alma...
Para um dia eu lhe dizer da minha eterna e grata admiração!
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