NINGUÉM É VELHO O QUE NÃO
FOI NOVO
Tomazinho era um menino
feio!
Eu tenho uma tia que diz
que não se deve “achar” uma criança feia.
- Nunca diga que a
criança é feia. Diga: é tão engraçadinha, coitadinha!
Não sei o que é pior.
Neste caso, não seria
honesto brincar de faz de conta. Tomazinho era muito feio e sabia. Esquelético.
Tinha o rosto grande e comprido como uma lata de doce popular. A pele morena
guardava a mestiçagem característica do “branco” brasileiro. Quando se olhava o
rosto... nem olhos, nem cabelos se evidenciavam. Apenas aquela protuberância
saltava aos olhos. Um nariz enorme. Espetacular! Um dia o chamaram de Pinóquio,
mas não foi adiante a ironia porque o nariz do boneco, apesar de comprido, era
delicado e tinha outro formato. O apelido não pegou. O caráter, sim.
Tomazinho desenvolveu a
essa época um comportamento recluso. Mantinha-se afastado dos colegas na escola
e se tornara tímido e introvertido. No recreio e nos intervalos se enclausurava
num canto enquanto observava Apolinho, um garoto alvo de sua atração e
repulsa. Conscientemente, morria de inveja daquele menino forte, sorriso
aberto, dentes perfeitos, cabelos soltos, cheios de cachos emoldurando a
expressão viva de quem é feliz.
De família muito
religiosa, quando Apolinho nasceu, o padre Lamego foi visitá-lo.
-Lindo garoto, dona
Tetéia! Forte, hein!
Dorotéia feliz informou
sorridente:
- Eratóstenes vai crescer
com saúde, se Deus quiser!
- Eratóstenes?
- É, Padre. O nome do meu
falecido pai.
- Meu Deus! O “Tosta” se
chamava Eratóstenes?
- É!
O padre sentiu que
precisava “salvar” a criança do antigo apelido, porque conhecia a maneira
grosseira que chamavam o Tosta nas discussões de bar que causavam sérios
transtornos à família.
Escuta dona Dorotéia, ele
parece ter nascido para ser atleta... Ele é enorme... Um verdadeiro Apolo. (Foi
o que ocorreu no momento!).
- Apolo, padre. Apolo!
Que nome lindo! Quem foi?
O padre rápido percebeu a
oportunidade.
- Este Apolo era forte,
bonito...era atleta?
- Um deus da saúde, minha
filha!
Não havia necessidade de
entrar em detalhes. Até complicaria. Foi sábio ao evitar.
- Pronto, padre. Melhor
assim. Apolo. Até porque eu tenho pensado – Tostinha... Tostinha...Daqui a
pouco um engraçadinho troca o T pelo B e eu vou ficar furiosa!
- Eu te batizo Apolo. Em
nome do Pai, do Filho...
Agora Apolo era o ídolo
das meninas, líder dos meninos e alvo dos olhares aquilinos de Tomazinho.
Tomazinho era feio, já
disse. Por que insisto? Porque creio que esta consciência de seu aspecto
desagradável moldou o caráter promíscuo. Quando ria, ria um riso sibilante,
estranho. Levantava de um lado só, o esquerdo, o lábio superior. Aí, seu rosto
ganhava uma expressão maléfica e, quando ao sorriso de hiena se aliava o olhar
penetrante da águia, era assustador!
Até hoje ele usa essa
máscara ameaçadora para intimidar seus oponentes como se fosse depositário de
algo capaz de destruir qualquer reputação.
Tornemos ao passado, pois
foi lá que aconteceu a metamorfose que estratificou a personalidade viscosa de
Tomazinho.
A solidão do menino
estava prestes a ser, pelo menos, aparentemente minimizada. D. Florentina, a
professora de Português, gostava dele e não fazia segredo. Tinha pena do menino
horroroso, mas inteligente. Ele não participava com brilho das aulas. Não dizia
nada que pudesse garantir uma ascendência intelectual, porém seus resultados
nas provas eram excelentes e ele começou a ganhar prestígio.
Quando Tomazinho sentiu
que os elogios escancarados geravam popularidade, resolveu investir em História
e Geografia!
- Gumercinda! Ano que vem
Tomazinho vai ser seu. Ele é meu melhor aluno. Vai pra sua turma. Cuida bem
dele.
Aquilo assim, dito no
corredor em alto e bom som, diante de todos os outros alunos, de forma
absurdamente transversa, deu a Tomazinho a visibilidade que até hoje ele sabe
explorar.
Um dia. Há sempre um dia.
Apolinho caiu na tolice de pedir cola aTomazinho durante o teste de gramática.
Rápido como a raposa Tomazinho passou-lhe a prova por baixo da mesa. Resultado:
Apolinho tirou a nota máxima. Ingênuo, agradeceu ao amigo o desprendimento.
Ofereceu a troca de favor, pôs-se à disposição, caso viesse precisar de algum.
Apolinho era o melhor em Matemática. Se Tomazinho necessitasse... porém isto
nunca aconteceu. Tomazinho o queria devedor.
Tomazinho tornou-se o
melhor amigo de Apolinho e, sem saber, sua “cobaia”. Ele agora vivia aos
segredos com o novo e único amigo. Incitava-o a brigas e discussões e depois
tomava a frente na defesa, no jogo do exercício de poder.
O tempo passou. Tomazinho
aprimorou seus tentáculos. Aprendeu a manipular interesses e informações.
Captou a confiança de quadrilhas importantes. Desenvolveu técnicas especiais na
arte da conspiração. É um homem temido. Tem a sua volta Apolinhos e Tostas.
Diverte-se. Menospreza seus clientes. Engessa a lei. Submete poderes. Tornou-se
um advogado de porta de cadeia.Que importa? O antigo menino se diverte atiçando
a matula sob sua proteção. Conhece todos os seus segredos e isso faz deles seus
reféns de estimação.
Tem, na teia de suas
relações, presas importantes capturadas como barganha, moeda de troca decisiva
no seu jogo de forças subreptícias. É respeitado e temido como qualquer
mafioso, mas há diferença - com extraordinários salários transformou-se em
criminalista de sucesso.
Não
importa a origem do dinheiro que paga seu trabalho. Ao contrário, isto pode
gerar até nova defesa, outro processo do cliente que o remunerou, usando, quem
sabe, verba não contabilizada.
Assim,
Tomazinho mantém hoje na cara velha o mesmo olhar aquilino, o mesmo sorriso de
hiena e, no exercício do poder de sua eminência parda garante a manutenção da
corja impune.
Ah!
Tomazinho continua feio. Mais feio ainda.
Ninguém é
velho o que não foi novo.
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Soube que Tomazinho morreu.
Segundo a lenda, foi recebido pelo índio Galdino. Um menino morto, cremado, que dizem, o perseguia nos seus sonhos!
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Soube que Tomazinho morreu.
Segundo a lenda, foi recebido pelo índio Galdino. Um menino morto, cremado, que dizem, o perseguia nos seus sonhos!
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